17 de dezembro de 2017

Currículo novo não basta para ensino melhorar, afirma gestora americana


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Rebecca Kockler. New Orleans, LA. October 2016. Gestora responsável pela área pedagógica do Departamento de Educação da Louisiana, Rebecca Kocler Foto: Divulgação DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
Gestora responsável pela área pedagógica do Departamento de Educação da Louisiana, Rebecca Kocler
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Estado norte-americano com renda per capita abaixo da média daquele país, Louisiana tem chamado atenção pelos avanços em seus indicadores educacionais.
O Estado alcançou o maior avanço na 4ª série no último exame nacional em leitura; em matemática, o segundo maior crescimento (em ambas as matérias, porém, segue abaixo da média).
Uma das chaves apontadas para esse desempenho foi uma reforma no sistema educacional tendo como base novos padrões para aprendizagem e novos currículos.
Esses documentos passaram a nortear escolha de materiais didáticos, formação de professores e avaliação.
A mudança começou em 2010, quando organização que representa os Estados lançou documento que estabeleceu o que cada aluno deveria saber, em cada série, do ensino infantil ao médio (programa chamado "Common Core", o núcleo comum).
A adoção de política semelhante está em curso no Brasil, com a Base Nacional Comum Curricular. A versão final brasileira foi aprovada nesta sexta-feira (15) e aguarda homologação do Ministério da Educação.
Como nos EUA, a ideia é que o documento sirva como diretriz para definir o que os alunos devem aprender.
Cada Estado define então como implementá-la e as estratégias a serem usadas para que os alunos aprendam o que se espera (o currículo).
O caso da Louisiana, mesmo visto como de sucesso nos EUA, mostra o quão difícil é a implementação de tal política. Se os alunos da 4ª série melhoraram, os da 8ª obtiveram notas menores (seguindo um padrão nacional).
O próprio Common Core, sete anos após o lançamento, foi abandonado por ao menos 8 dos 45 Estados que o adotaram inicialmente.
Áreas republicanas passaram a ver a iniciativa excessivamente atrelada ao então presidente democrata Barack Obama. Em alguns Estados, como Nova York, a implementação foi acelerada e passou a sofrer resistência de professores e alunos.
Em Louisiana, o Common Core sobrevive. Estudo da ONG Rand mostrou que professores do Estado são os que mais alinharam suas atividades ao núcleo comum.
No fim de outubro, o Movimento pela Base, organização privada que defende a Base Nacional brasileira, trouxe para São Paulo a gestora responsável pela área pedagógica do Departamento de Educação da Louisiana. Rebecca Kockler, 36, falou com professores e gestores sobre a implementação do currículo.
*
Folha - Por que Louisiana tem chamado atenção nos EUA?
Rebecca Kockler - Temos fornecido muitos recursos para os distritos [municípios] melhorarem a forma de ensinar. Outros Estados ficam mais na determinação das grandes diretrizes. Decidimos fazer isso porque vimos disparidades muito grandes no Estado em padrões e expectativas de aprendizagem.
O que nos importa é que os estudantes acumulem conhecimento a cada ano, e não replicar o que sempre foi feito. Se decidimos aumentar as expectativas de aprendizagem, precisávamos aumentar o apoio ao sistema. Alunos de baixa performance começaram a melhorar. Muita gente começou a perguntar como isso ocorreu.
As notas em Louisiana têm aumentado na 4ª série, mesmo durante a adoção dos novos currículos. Em outros Estados, as notas desabaram durante esse processo. O que há de diferente em Louisiana?
Não acho que você possa individualizar uma única política para explicar os resultados. Dentro das escolas, vemos coisas que melhoraram rapidamente devido aos novos padrões e currículos. Os alunos estão lendo livros que não liam há cinco anos.
Mas estender essa explicação para o âmbito estadual é muito mais complexo. Não está claro se foi por causa do currículo ou da capacidade dos professores ou outra coisa. Talvez seja uma mescla.
O que está claro é que os professores ensinam hoje considerando uma meta mais alta. Não que isso ocorra em todas as classes, todos os dias. Isso leva tempo e muito trabalho. Os padrões por si não mudam a forma de ensinar.
Isso vem com a implementação: avaliação, treinamento de professores.
Por outro lado, você não consegue mudar sem novos padrões. Nossos estudantes devem estar em condições de competir com os de Massachusetts [o melhor Estado nos EUA]. Para isso, precisamos saber onde está a barra deles, para ajustarmos a nossa barra.
Estados têm abandonado o Common Core. O que Louisiana faz para manter a política?
Primeiro, gostaria de ressaltar que muitos dos Estados que não estão usando mais o Common Core, na verdade, mudaram o nome, mas mantiveram praticamente o mesmo conteúdo. Fizeram pequenos ajustes, como nós.
Uma das coisas que nos impulsionou na implementação foi a participação dos professores. Chamamos entre 100 e 200 professores, dependendo do ano, para nos ajudar. Avaliaram a elaboração dos materiais. Comunicaram o que estava mudando para os demais professores.
Eles sabiam dos desafios e das grandes expectativas para os estudantes. Eles não falavam "diminuam as expectativas", mas, sim, "precisamos de mais recursos aqui".
Mudamos diversas coisas a partir dessa participação. Currículo é o maior exemplo.
Inicialmente, pensamos em não interferir tanto na instrução. Os professores disseram: "Está mudando tanto que não precisamos apenas de exemplos de lições, precisamos ter definido como deve ser a instrução dia a dia".
Como vocês trabalharam os exames ligados ao novo currículo [em Nova York, professores reclamaram que os testes vieram antes dos treinos para ensinar os novos métodos]?
Adotamos o Parc [avaliação com base no Common Core] mas fizemos adaptações.
O desempenho dos alunos nos exames tem impacto na avaliação dos professores: 35% da avaliação do docente tem como base esses exames; 15% pode ser por avaliação interna da escola; e 50% de observação do trabalho do professor. Quando começamos os novos padrões, suspendemos por dois anos os 35% dos exames. Foi um período de aprendizagem. Hoje, o sistema voltou ao que era.
O que acontece com professor com baixa avaliação?
É uma decisão dos distritos. Eles podem decidir quem contratar ou demitir professores. Alguns pagam um extra, de acordo com essa avaliação. Alguns usam as duas coisas.
Qual o impacto dessa avaliação na implementação do novo currículo?
Foi importante. Obviamente essa forma de avaliação sempre causa tensão, mas no nosso caso entendemos que foi benéfico. A implementação fluiu melhor em locais onde os exames foram mais levados em conta.
Por que 8ª série não melhora?
Primeiramente, os dados mais recentes do Naep [a avaliação americana] se referem a um período que o novo currículo havia sido implementado havia apenas dois anos.
Alunos na 8ª série vêm com defasagens muito maiores acumuladas do que os da 4ª série. É difícil ensinar álgebra se o estudante não sabe fração. E mudanças levam tempo para trazerem resultado. Nos nossos exames estaduais temos visto melhorias na 8ª série. Mas se isso não se repetir no Naep, certamente teremos uma grande pergunta a responder: o que não está bem?
O que você pode falar para o Brasil sobre implementação?
Implementar novos padrões é difícil, mas todos alunos são capazes de chegar ao esperado. É difícil aumentar expectativas, e se você não tem clara a importância disso, você baixa a barra, o pior que pode acontecer.
Estejam próximos aos seus professores. Terceiro, as mudanças demoram. Adaptem a política para os contextos locais. E não é porque você adotou novos padrões que as crianças vão aprender mais. A adoção de padrões e currículos é apenas o primeiro passo.
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Raio X

Trajetória
Ex-professora de história e ciências em escolas públicas de Nova Jérsei e Nova York
Cargo
Superintendente-assistente de conteúdo acadêmico do Departamento de Educação de Louisiana, Estado no sudeste dos EUA, que tem a 38º maior renda per capita entre os 50 Estados norte-americanos
Base Curricular

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