16 de outubro de 2017

Mapa da Morte: Levantamento feito pela Folha revela a geografia dos assassinatos na capital paulista




ARTUR RODRIGUES

RAPHAEL HERNANDES
DANIEL MARIANI
MARLENE BERGAMO
DE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo,16/10/2017
A polícia paulista mata ao menos um adolescente por semana em casos atribuídos a confrontos na periferia da cidade de São Paulo.
É o que mostra análise da Folha sobre 391 óbitos registrados como "decorrentes de intervenção policial" entre julho de 2016 e junho de 2017. Essas ocorrências, nesses 12 meses, representam 29% de todas as 1.353 mortes violentas analisadas na capital, o que inclui tanto homicídios simples como latrocínios.
Segundo a Polícia Militar, os criminosos estão cada vez mais bem armados, e os jovens costumam ser mais ousados no enfrentamento.
Para especialistas, porém, a letalidade policial está alta demais e atinge apenas a população pobre e periférica.
Os casos analisados pela reportagem incluem tanto confrontos com policiais em serviço como intervenções deles em horários de folga.
A estatística oficial do governo Geraldo Alckmin (PSDB) contabiliza 457 casos de mortes em ações policiais no período, mas a reportagem não localizou informações referentes a 66 deles na página da transparência da Secretaria da Segurança Pública. Por isso, esses casos não foram contabilizados na análise.
De todos os conflitos ao longo desse intervalo, apenas 10% aconteceram no centro expandido. É na zona leste que se concentram 36% das mortes por policiais. Em bairros como Sapopemba, Itaim Paulista e Lajeado, todos nessa região, houve, em média, um registro por mês.
Jovens de 14 a 17 anos são 17% dos mortos por policiais. Essa alta incidência de adolescentes faz com que pessoas mortas pela polícia sejam, em média, 10 anos mais novas que as vítimas de homicídios dolosos –22,7 anos ante 33,6 anos, respectivamente.
A reportagem ouviu tanto de policiais quanto de adolescentes da periferia que há um clima de hostilidade e de tensão entre eles. PMs se dizem desrespeitados, enquanto os adolescentes relatam abusos e agressões constantes.
Só o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba acompanha 28 mortes suspeitas em ações policiais desde 2015.
A diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, afirma que crimes dificilmente resultam em condenação dos policiais, já que essas vítimas são sujeitos vistos como "matáveis" por parcelas da sociedade e do poder público.
"Esse percentual [de 29% de todas as mortes violentas] de um território é muito alto, sob qualquer métrica internacional de uso da força", diz Samira, numa referência àquelas de responsabilidade de policiais. "E quem morre em ações policiais é uma população pobre, periférica, negra e masculina", completa.
TREINAMENTO
O ouvidor da polícia do Estado, Julio Cesar Fernandes Neves, ressalta a diferença nas abordagens da polícia em locais pobres da cidade.
Ele lembra a frase dita em agosto pelo tenente-coronel Ricardo Augusto de Mello Araújo, comandante da Rota, segundo o qual as abordagens nos Jardins e na periferia têm de ser diferentes.
Para o ouvidor, os policiais não têm seguido o treinamento recebido para uso moderado da força, o método Giraldi, que ensina que atirar é a última de uma série de opções. "Se fosse efetivamente seguido, não haveria tantas mortes de civis e policiais."
MOBILIZAÇÃO DE MÃES
O volume de casos de jovens mortos por policiais na zona leste de São Paulo impulsionou a criação do coletivo Mães em Luto, que cobra das autoridades investigação sobre essas mortes.
Uma das mães do grupo é a balconista Iracema Oliveira Ferreira, 38, moradora da favela Elba. O filho dela, Wesley Ferreira Gomes, 17, foi morto por um policial militar de folga que mora no bairro –o caso, de setembro de 2015, foi registrado como morte decorrente de intervenção policial.
A versão do PM é que ele ouviu um barulho, abriu a janela de casa e viu dois adolescentes roubando um homem na parada de ônibus.
O PM afirma ter gritado "polícia", ao que um dos jovens teria apontado uma arma na direção dele –da janela, então, fez vários disparos na direção dos suspeitos.
O policial afirma que saiu em perseguição dos suspeitos e encontrou um dos rapazes ferido. Já Wesley foi achado morto em uma rua mais adiante, com tiros na coxa e no abdômen, diz a polícia.
"Independentemente do que o Wesley tivesse fazendo, tinha que levar meu filho para a cadeia [se estivesse roubando], não matar. Ele [o policial] fez isso por vingança", diz a mãe do rapaz.
Ela diz que testemunhas viram o assassinato do jovem rendido e desarmado pelo policial após a perseguição. A Folha foi até a casa de uma mulher apontada como testemunha e foi informada que ela havia se mudado.
Iracema diz que Wesley já namorou com a filha do policial, e o homem lhe fazia ameaças. "Ele [o PM] não aceitava o namoro porque falava que o Wesley era da favela e noia."
A Polícia Civil afirma que uma testemunha reconheceu Wesley como assaltante e concluiu que o policial não cometeu irregularidades. O Ministério Público, porém, ainda não arquivou o caso e pediu novas diligências à polícia.
O policial tem ao menos outro incidente com morte na carreira –este em horário de serviço, após uma perseguição a suspeitos de roubo.
OUTRO LADO
"[Os jovens] se colocam em situações de risco muito mais do que os adultos. Eles são mais impetuosos, até mais violentos Quando ele [policial] é vítima, a situação piora. Porque, se detectado que ele é policial, sabe que pode morrer capitão Rodrigo Cabral da comunicação social da PM
O governo Geraldo Alckmin (PSDB) afirma que investiga todos os casos com mortes em ações policiais e que a maioria dos confrontos acaba sem casos fatais.
"A nossa média é de 1.400 confrontos por ano na capital –15% resulta em morte. Tem que trabalhar muito para chegar a 10%, a 5%. Só que a opção do confronto, no fim das contas, é do criminoso", afirma o capitão Rodrigo Fernandes Cabral, da comunicação social da PM.
Por ter como função o policiamento ostensivo, a PM protagoniza a maioria dos confrontos no Estado.
Cabral atribui o alto número de jovens nas estatísticas de mortos à "falta de uma legislação mais dura" e "pela glamorização do crime". "Eles se colocam em situações de risco muito mais do que os próprios adultos. Eles são mais impetuosos, muitas vezes, até mais violentos", diz.
O oficial admite que a letalidade policial é preocupante, mas afirma que a taxa é impulsionada por uma equação composta por criminosos mais bem armados e um aumento na velocidade de atendimento das ocorrências por parte da polícia.
"Você chegando mais rápido na ocorrência, a chance de acontecer o confronto é maior", afirma o capitão.
O policial diz que hoje as armas dos criminosos são mais potentes. Ele exemplifica com o fato de que, neste ano, foram apreendidos 56 fuzis pela polícia, contra 12 em 2005.
O capitão também defende a ação dos policiais de folga e diz que eles "têm que tomar uma atitude" e que "o ímpeto do policial é salvar a vida". "É questão de ofício. O policial é cobrado pela comunidade, pela sociedade que ele conhece", diz Cabral.
Outro fator que influencia na decisão dos PMs, diz o oficial, é a possibilidade de ser reconhecido e morto pelos criminosos. "Quando ele é vítima, a situação piora. Porque, se detectado que ele é policial, [o policial] sabe que pode morrer. Se entregar a arma, entregar tudo, o cara vai matar ele", diz.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública diz que todos os casos são investigados pela Polícia Civil, "acompanhados pelas respectivas corregedorias das corporações e comunicados imediatamente ao Ministério Público".
Intervenção policial



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