27 de setembro de 2017

Se ciência estiver certa sobre crianças, Brasil está cometendo erro grave


Xu Yu - 30.ago.2017/Xinhua
(170830) -- CHANGXING, Aug. 30, 2017 (Xinhua) -- Children of the Development Zone Central Kindergarten take part in a fun sport activity at the Sanhe Bay Wetland Park in Changxing County, east China's Zhejiang Province, Aug. 30, 2017. It is the first day of this semester and kindergarden here specially opened a class to teach children traditional cultures and carry out fun sport activities. (Xinhua/Xu Yu) (lfj)
Crianças em pré-escola na China
A importância da infância para o desenvolvimento humano, social e econômico parece estar ganhando espaço na cobertura da imprensa brasileira.
Se confrontarmos as conclusões cientificas sobre essa fase da vida —bem resumidas em vários textos jornalísticos recentes— com nossos investimentos em educação infantil, será inevitável a impressão de que nosso país está insistindo em um grave erro.
O que dizem os especialistas de áreas como economia, psicologia e neurociência sobre crianças e desenvolvimento?
O psicólogo Andrew Meltzoff, cuja pesquisa de décadas sobre o tema se tornou referência, afirmou à revista "Época" no ano passado: "Há evidências científicas de que o desenvolvimento da criança no começo de sua vida ajuda a determinar o adulto que ela será (...). O meio em que a criança vive é de vital importância para seu desenvolvimento".
Em resenha publicada nesta Folha sobre livro recém-lançado pelo neurocientista Mariano Sigman ("A Vida Secreta da Mente"), o jornalista Ricardo Bonalume Neto destacou o seguinte trecho da obra: "o cérebro já está preparado para a linguagem muito antes de começarmos a falar".
Motivada pelo texto de Bonalume, li nesta terça-feira (26) o interessante primeiro capítulo do livro de Sigman que trata da infância.
O autor fala sobre inúmeras pesquisas recentes sobre o tema, inclusive algumas de Meltzoff, para explicar como funciona e se desenvolve a atividade cerebral das crianças.
Ele cita descobertas —ainda pouco difundidas— como o fato de que "recém-nascidos com poucas horas de vida já têm os fundamentos da matemática em seu aparato mental".
Sigman também diz ser um mito achar que cada adulto deve falar com uma criança sempre no mesmo idioma. Os bebês, afirma o neurocientista, não se confundem com trocas feitas pelo mesmo cuidador porque captam as indicações gestuais que usamos ao falar diferentes línguas.
Apesar de a atividade cerebral dos pequenos ser tão intensa e surpreendente, Sigman ressalta ser um erro achar que fatores como a predisposição para a linguagem podem se materializar sem interação social com adultos.
"Um carinho, uma palavra, uma imagem, cada experiência da vida deixa uma marca no cérebro", escreve o autor.
Os efeitos das experiências e dos estímulos recebidos pelas crianças sobre seu desenvolvimento têm atraído também a atenção de economistas que pesquisam o bem-estar.
Um dos nomes mais respeitados desse campo de estudo é James Heckman, ganhador do Nobel de Economia em 2000.
Em entrevista publicada na mais recente edição da revista "Veja", Heckman afirma: "Países que não investem na primeira infância apresentam índices de criminalidade mais elevados, maiores taxas de gravidez na adolescência e de evasão no ensino médio e níveis menores de produtividade no mercado de trabalho, o que é fatal".
Embora ele não tenha citado nenhum país especificamente, a descrição parece se encaixar como uma luva no Brasil.
Ampla evasão escolar, índice alto de gravidez na adolescência, criminalidade elevada e baixa eficiência da mão de obra são aspectos bem documentados e conhecidos da nossa realidade.
Terão relação com o baixo investimento em educação infantil? Caso as pesquisas recentes sobre a importância de atenção e educação de qualidade nesse estágio da vida estejam corretas, é muito provável que sim.
No Brasil, o investimento público feito por aluno no ensino superior é mais do que o triplo do que o realizado em cada criança na educação infantil. Na média dos países da OCDE (que inclui nações desenvolvidas e algumas emergentes), a distância também existe, mas é menor do que o dobro.
É fato que a discrepância brasileira já foi muito maior, mas nos últimos anos o estreitamento da diferença tem sido lento.
Não significa necessariamente que estamos gastando em excesso com o ensino superior, mas certamente indica que investimos muito pouco nas nossas crianças.
Dadas as evidências de que o descaso com a primeira infância pode ajudar a explicar as sérias mazelas sociais e econômicas que enfrentamos, o tema —e suas possíveis soluções— deveria estar sendo mais debatido pela sociedade.
Por enquanto, a única discussão ligada ao assunto é a necessidade de construção de creches, mas ela é tímida e incompleta. Pouco se fala, por exemplo, que não adianta criar vagas se a qualidade da atenção nessas instituições for precária. 

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