25 de setembro de 2017

Formação é calcanhar de Aquiles dos professores de matemática do Brasil, Marcelo Viana


Apu Gomes - 18.ago.2011/Folhapress
Alunos têm aula de português em sala de aula lotada, na zona sul de São Paulo
Alunos têm aula de português em sala de aula lotada, na zona sul de São Paulo



Acabo de receber material muito interessante do meu colega Humberto Bortolossi, da Universidade Federal Fluminense, intitulado "Formação de professores de matemática: O que é realmente necessário e prioritário?", que recomendo vivamente aos leitores.






Humberto fez mestrado no Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e doutorado em matemática na PUC-Rio, com uma excelente tese sobre otimização de redes de produção e distribuição energia.
Ele combina cultura acadêmica e tecnológica fora de série com uma diversidade de interesses de estudo igualmente invulgar: educação em matemática, popularização da ciência, formação de professores e muito mais. Humberto tem mais uma grande qualidade: ao contrário de tantos teóricos da educação que "pesquisam" o tema em seus gabinetes sem jamais chegarem perto da sala de aula, ele põe a mão na massa e submete suas ideias e experiências ao duro julgamento da realidade.
A formação de professores é o calcanhar de Aquiles da nossa educação básica. O professor é elemento crucial da cadeia educativa e, no entanto, a formação oferecida na maior parte das nossas licenciaturas em matemática é totalmente inadequada, além de obsoleta. No Brasil, a esmagadora maioria dos licenciados da área é egressa de faculdades particulares com controles de qualidade duvidosos. Muitas dessas instituições não têm jeito, precisam ser fechadas. Para outras, um efetivo controle por parte das autoridades poderia fazer uma grande diferença. Mas nossas melhores universidades públicas também não estão isentas de críticas.
Em artigo publicado em março de 2011 na revista "Notices", da American Mathematical Society (Sociedade Americana de Matemática), o professor emérito Hung-Hsi Wu da Universidade da Califórnia, em Berkeley, pergunta: "Para formarmos bons professores de francês, deveríamos exigir que eles aprendam latim, no lugar de francês? Afinal, latim é a língua mãe do francês e, sendo um idioma mais complicado, aqueles que conseguirem aprendê-lo deverão estar bem habilitados para o francês."
Claro que é uma ironia mas, segundo Wu, tem muito a ver com o que fazem as licenciaturas em matemática em seu país. No Brasil não é diferente.
Humberto cita outra observação de Wu: na formação do professor de matemática, em contraste com outras disciplinas que apenas "olham para a frente", para o que será visto na pós-graduação, é indispensável devotar tempo considerável a "olhar para trás", isto é, a analisar tópicos elementares de um ponto de vista avançado.
Ensinamos na escola que raiz cúbica de 2 é o número que elevado ao cubo dá 2. Mas nunca gastamos tempo para mostrar ao licenciando que tal número existe. Para dividir duas frações devemos multiplicar a primeira pela inversa da segunda. Por quê?
Também não explicamos ao futuro professor de matemática o que significa realmente a expressão decimal de um número: porque é que 0,99999999999999... é o mesmo que 1? Não ensinamos essas coisas porque supõe-se que elas são simples e o estudante já aprendeu no ensino médio –as duas suposições estão erradas– e que na faculdade deve aprender coisas avançadas.
Deve-se aprender latim, para ensinar francês.
Mais de cem anos atrás, o grande matemático e educador alemão Felix Klein (1849-1925), outro que colocava as mãos na massa, já criticava o fato de que "por muito tempo [] os homens da universidade preocuparam-se exclusivamente com as suas ciências, sem considerarem as necessidades das escolas, nem mesmo se preocupando em estabelecer uma conexão com a matemática escolar".
O resultado é o que Klein chamou "dupla descontinuidade na formação do professor": ao chegar à universidade, o futuro professor é confrontado com ensinamentos avançados sem conexão aparente com os temas da escola básica; e, ao final dos estudos, quando volta à escola como professor, vê-se na posição de ter que ensinar a matemática elementar tradicional, do mesmo modo de sempre.
Nas palavras de Klein "seus estudos universitários permaneciam apenas uma lembrança mais ou menos agradável, que não tinha nenhuma influência sobre o seu ensinar". Embora Klein escrevesse no pretérito, pensando na Alemanha, no Brasil tal situação perdurou até o século 21.
Mudanças começaram a acontecer a partir do Projeto Klein em Matemática, realizado entre 2008 e 2012 pelas sociedades científicas da área, com o apoio da Capes. O Mestrado Profissional para Professores de Matemática (Profmat) nasceu em 2011, sob a influência das ideias de Klein, Wu e outros. Não é surpresa que o mestrado tenha sido "acusado" por alguns educadores de valorizar demais o conteúdo matemático, e por alguns matemáticos de omitir tópicos avançados ensinados em muitas licenciaturas.
A coleção de livros "Matemática para o Ensino" e a revista eletrônica "Professor de Matemática On-line", ambas da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), são também produtos diretos do Projeto Klein.
Outra importante iniciativa em curso, com o apoio do Impa, é o Projeto Livro Aberto de Matemática, um esforço de professores –universitários e da escola básica– para produzir, de maneira colaborativa, livros didáticos de matemática com excelência acadêmica e licença aberta. Confira no site como colaborar.
Muito mais é necessário, evidentemente. Não tenho dúvida de que a "saída" passa pelo envolvimento cada vez maior da comunidade matemática universitária nas questões do ensino da disciplina, em colaboração com a comunidade de professores da escola básica e levando em conta os mais recentes avanços na pesquisa na área do ensino da matemática.
Nesse sentido, é urgente repensar as nossas licenciaturas em matemática. Existe um ótimo ponto de partida: o estudo de diretrizes curriculares que a SBM vem aprimorando há alguns anos. 

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