6 de junho de 2017

Nossa democracia indecente, Cristovam Buarque

Correio Brasiliense, 6/6/17

Senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
O regime autoritário impõe suas decisões pela força das armas. O regime democrático, pela força moral e pela credibilidade dos seus líderes diante de sua população. Dentro dessa visão, o Brasil não tem um regime democrático. Faltam-lhe valores morais no exercício da atividade política, credibilidade e respeito em seus dirigentes. Não tem hoje, nem anteriormente. O combustível da democracia é a moral na política.
 
Baseado nas armas e na força da repressão, o autoritarismo funciona, eficientemente, para dar coesão e rumo à sociedade, mas sem sustentabilidade histórica. A democracia funciona, eficientemente, para dar coesão e rumo à sociedade, com base nas urnas e na força da moral pela aceitação dos resultados eleitorais, e mantém a sustentabilidade pela legitimidade moral, pelas regras e pelo comportamento, mas só à medida que define e constrói um rumo para o país e seu progresso. O Brasil necessita de coesão e rumo, sobretudo, porque essa carência decorre de razões conjunturais da política e estruturais da sociedade. Temos uma democracia que falha por insuficiência moral. Uma democracia indecente.
 
A democracia carece de força quando o Congresso está sob suspeição de propinas e de crimes eleitorais, como acontece atualmente. Ela se degrada se o presidente da República e os ministros estão denunciados por suspeitas de crimes, ou quando o Poder Judiciário sofre por excesso de exposição de seus componentes ou por falta de coerência interna em seus julgamentos. A degradação da democracia ocorre também quando a população percebe a distância entre suas necessidades e o luxo e o privilégio de seus dirigentes no Executivo, no Judiciário e no Legislativo.
 
Apesar de as instituições funcionando, o Brasil atravessa visível crise política e sua democracia está com falta de credibilidade de seus dirigentes ante o povo, por propinas, caixa dois e privilégios. Mas novas eleições não serão suficientes para assegurar a plenitude moral de nossa democracia, devido às falhas nas estruturas imediatas e históricas do processo social e político. O Brasil está descobrindo o grave pecado da propina cometido por seus políticos, mas continua resistindo a perceber e a enfrentar os maiores pecados estruturais da democracia: o divórcio entre a vida dos políticos (com escolas e hospitais privados com qualidade) e a vida do povo (escolas e hospitais públicos sem qualidade).
 
Diferentemente de um prédio, a democracia nunca está concluída, ela é construção por processo baseado na moral. Sem regras e comportamentos decentes, a população não respeitará, nem se identificará com seus líderes, nem será participante da construção da democracia. A democracia não será forte enquanto não se livrar da indecência da corrupção no comportamento dos políticos e na definição das prioridades das políticas; da compra de votos; do recebimento de propina; da indecência histórica do baixo nível educacional e da desigualdade — na educação oferecida, na renda da família —; da violência generalizada, da concentração de renda, do desperdício de recursos, da depredação ambiental. Apesar de seus instrumentos intactos, a democracia está em crise por causa das indecências que a rodeiam, especialmente os maus exemplos de seus líderes. Hoje, há um divórcio entre líderes e povo. Mas essa realidade não é percebida. Acredita-se que a simples prisão de corruptos moralizará o próximo Congresso, esquecendo que os juízes prendem políticos corruptos, mas não elegem políticos honestos.
 
Um novo parlamento e um novo presidente pouco mudarão se continuarmos sem partidos que representem ideias e comportamentos, ou se as eleições ainda dependerem da quantidade de dinheiro para financiamento das campanhas, ou se os políticos continuarem se preocupando mais com seus discursos no presente, do que no exercício da parlamentação em busca de definir rumos para o país; ou ainda se todo o processo estiver judicializado, sob a instabilidade jurídica do momento; sobretudo se não perceberem o papel de líderes com o compromisso de construir coesão social no presente e o rumo para o futuro. A maior crise moral da democracia vem, sobretudo, da quebra do sentimento da nação dividida em corporações sem um sentimento comum de pátria, o que faz com que seus políticos estejam mais voltados para armar escadas para cada grupo do que para fazer caminhos para o Brasil.

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