19 de junho de 2017

Competição eleitoral cresce onde teto de gastos é menor

A adoção de tetos que limitem os gastos dos políticos em campanhas eleitorais é positiva para a democracia.
Essa é a principal conclusão dos economistas Eric Avis, Claudio Ferraz, Frederico Finan e Carlos Varjão em estudo recém-publicado pelo NBER (National Bureau of Economic Research), respeitado centro de pesquisa norte-americano.
Eles analisaram o impacto nas eleições para prefeito de 2016 da restrição aos gastos de políticos -adotada no Brasil em 2015 no âmbito de uma reforma que também proibiu doações empresariais.
A nova legislação criou cenários distintos para os gastos dos candidatos em municípios semelhantes.
Embora o ponto de partida para o cálculo do teto fosse a despesa mais alta feita na eleição anterior, para um grupo de cidades, esse valor máximo foi fixado em R$ 100 mil em 2015 e corrigido em 8,04%.
Para o outro grupo, cujo teto era de 70% do maior gasto em 2012, o reajuste permitido chegou a 33,7% (veja quadro).
MAIS EQUILÍBRIO
Isso permitiu aos pesquisadores investigar o que ocorreu em municípios com características parecidas, mas que acabaram ficando sujeitos a regras distintas.
Eles descobriram três impactos significativos: em cidades com limites mais restritivos, o número de candidatos foi maior, houve menos vitórias do concorrente mais rico e a taxa de reeleição também foi menor.
"Os resultados mostram que a concorrência aumentou e ficou mais equitativa, o que parece bom para a democracia", diz Ferraz, da PUC-Rio.
Segundo o estudo, um teto de gastos 25% menor leva a um crescimento de 9% no número de candidatos a prefeito. Outro efeito é uma queda de 40% na renda média dos concorrentes.
Os pesquisadores levantam a hipótese de que o limite mais rígido estimula a participação de candidatos que, em outro cenário, considerariam impossível concorrer com oponentes de maior poder de arrecadação.
O estudo também mostrou que, nas cidades com gastos menos contidos, a reeleição dos então prefeitos ficou 11 pontos percentuais acima da dos sujeitos a mais restrição.
Além disso, governantes que se reelegeram sob tetos de gasto menos rígidos tiveram fatias de votos maiores que os reeleitos sob mais restrição nas despesas.
Uma das hipóteses é que o teto mais baixo para os gastos restringe o efeito do uso da máquina pública na campanha dos incumbentes que buscam continuar no cargo.
"DINHEIRO IMPORTA"
Ferraz diz esperar que a pesquisa contribua para a discussão sobre como regular dinheiro em política, um dos temas mais discutidos em democracias: "Quem pode contribuir? Com quanto? Como gastar? Há limites?".
O trabalho foi motivado por essas questões, tendo em vista duas vertentes diferentes, a americana e a britânica. Nos Estados Unidos, a legislação limita o valor que cada um pode doar individualmente, mas não permite teto para o gasto dos candidatos.
Já em países como Reino Unido e Canadá, a Justiça entende que o dinheiro gera desigualdade e impõe limites para gastos, como no Brasil.
"Nosso trabalho mostra que o dinheiro de fato importa, e que há impacto sobre o equilíbrio político como um todo", afirma Ferraz. "Não se trata apenas de quanto o candidato pode gastar, mas de quem será candidato e com que chances de se eleger."
O estudo publicado pela NBER é único porque permite comparar resultados em um mesmo país e em uma mesma eleição. O mais comum é que estudos desse tipo comparem diferentes nações ou, num mesmo país, dois momentos, antes e depois da adoção de novas regras.
Isso é possível, diz Ferraz, porque o Brasil tem condições específicas que fazem do país um "excelente laboratório" para pesquisas sobre eleições e política.
Uma delas é a frequente mudança nas leis, com regras que não são aplicadas de forma equitativa. É essa diferença que permite comparar universos semelhantes, mas sujeitos a condições diferentes.
Outro aspecto que facilita os estudos no Brasil é que a Justiça Eleitoral registra e divulga informações -como gênero, renda e escolaridade- de todos os concorrentes, e não só dos vencedores, como em outros países.
LIMITES A EXPLORAR
Alguns aspectos, no entanto, ainda suscitam novos estudos, diz Ferraz. Um deles é saber se a restrição de gastos diminui o acesso do eleitor a informações sobre as plataformas dos candidatos.
Esse efeito poderia prejudicar a escolha dos melhores concorrentes.
O pesquisador nota que indícios como as taxas de abstenção e de votos em branco levam a crer que não houve falta de informação. "No futuro, porém, será interessante olhar para a performance dos eleitos em áreas como educação e saúde."
Outra limitação do estudo é a possibilidade de que parte dos gastos de campanha tenha sido feita sem contabilidade, por meio de caixa 2, o que poderia mascarar despesas que superaram os tetos.
O trabalho mostra que, onde o limite era mais rígido, reduziu-se o gasto médio das campanhas e 75% dos recursos vieram dos próprios candidatos. "A questão é quanto há de caixa 2 e como foi a substituição do investimento de empresas, hoje proibido."
Ferraz considerou surpreendente que os resultados não tenham mostrado efeitos do teto sobre grupos que de forma geral recebem menos dinheiro dos partidos, como mulheres, negros e representantes de minorias.
"São candidatos que costumam ser menos favorecidos pela máquina partidária e poderiam se beneficiar de uma concorrência mais equilibrada."
Folhapress

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