27 de maio de 2017

ENSINO INFANTIL


Em creches e pré-escola, mudança chega aos poucos

OCIMARA BALMANT
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Aos 40, Fernanda Carnevalli tem 15 anos de experiência na educação infantil. Formada em pedagogia e psicologia, diz nunca ter pensado em lecionar para outra faixa.
“É esta a fase em que a criança tem mais potencial de desenvolver capacidades, e isso é muito desafiador para o professor”, diz ela, que dá aulas na escola Lourenço Castanho, zona sul de São Paulo. “Até os pais acham que é um trabalho solto, de brincadeira. Mas cada atividade exige muito conhecimento do universo infantil.”
Esse repertório ainda está distante de boa parte dos professores que atuam nesta etapa. Apesar de o PNE (Plano Nacional de Educação) ter previsto que até 2015 todos os docentes deveriam ter formação em nível superior, com licenciatura na área em que atuam, os dados do Censo da Educação Básica de 2016 mostram que 39% dos professores de creches e 37,4% dos que lecionam na pré-escola não cumprem a meta.
A proporção faz da educação infantil a etapa com menos docentes qualificados, o que contraria a indicação dos pesquisadores. “Descuidar dessa etapa gera prejuízo para a trajetória de cada criança e, consequentemente, para o futuro do país”, diz Onaide Schwartz Correa de Mendonça, chefe do departamento de educação da Unesp em Presidente Prudente.
Para os especialistas, ainda persiste uma visão equivocada sobre o papel dessa etapa inicial, por muito tempo vista no âmbito assistencial, de “cuidar da criança enquanto os pais trabalhavam”.
Soma-se a isso o fato de a mudança na legislação, sobretudo a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que situou essa fase como etapa crucial de aprendizado, não se refletir no conteúdo dos cursos de pedagogia.
“Na maioria deles, o tema surge em disciplinas esparsas. Falta política pública que dê foco à complexidade dessa formação”, afirma a coordenadora do curso de pedagogia do Instituto Singularidades, Cristina Barelli.
A falta de cobrança da sociedade e a morosidade das universidades faz com que se multipliquem escolinhas em que as crianças passam o dia sob os cuidados de monitores ou recreadores. É uma realidade mais comum na rede privada. Somando creche e pré-escola, só 38,9% dos docentes estudaram pedagogia.
No trato com crianças pequenas, a interpretação de qualificação profissional ultrapassa inclusive a titulação. “A brincadeira é uma atividade de linguagem. Para funcionar, o professor precisa ter repertório cultural, além de estratégias didáticas”, diz Gisela Wajskop, doutora em educação pela USP.
Ela inaugurou neste ano a Escola do Bairro, na zona sul, para crianças de até dez anos. “Ensinar 30 pessoas a serem iguais é fácil. Difícil é ensinar pela diversidade e para a diversidade”, resume. “Mas isso é a educação infantil.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário