17 de fevereiro de 2017

Reforma do ensino médio pode ser uma boa ideia. Grandes gargalos sinalizam limites ao seu êxito, mas há brechas para esperança

Considere os seguintes exemplos, retirados de testes usuais para alunos do ensino médio. Numa liquidação, Paulo pagou R$ 28 por uma camisa que custava R$ 38. Qual o desconto? Quais das frações abaixo são maiores do que 2/5 e menores do que 3/5? Uma tabela apresenta o resultado dos cinco melhores times do campeonato, qual deles está mais próximo da média? A função g é definida por g (x0 = 3 (x + 8O). Qual o valor de g (12)?
É disso que trata a reforma do ensino médio: definir o que todo mundo precisa saber para viver e contribuir produtivamente para a sociedade e definir o que alguns precisam saber para passar num vestibular competitivo e ter êxito no ensino superior. A resposta à primeira pergunta se aplica a todos. A segunda, apenas aos que têm interesse e condições de enfrentar um vestibular competitivo. Essas definições repousam em três pressupostos. Primeiro, há salvação fora da universidade. Segundo, pelo menos metade dos jovens não cursa o ensino superior, nem no Brasil nem em quase nenhum outro país. Terceiro, interesses individuais e necessidades da economia podem ser muito mais bem atendidos com uma boa formação profissional no lugar de uma formação acadêmica medíocre.
Na maioria das nações desenvolvidas a resposta já foi dada há décadas: o que é básico e comum a todos se aprende no ensino fundamental. No século 21 isso se avalia em testes como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês). A partir daí, o ensino médio é diversificado, com duas grandes vertentes: a acadêmica e a profissionalizante, oferecidas em diferentes escolas. Não há registro de que jovens bem preparados no ensino fundamental tenham dificuldade, aos 14 anos, de fazer suas opções.
Em alguns países – especialmente nos de língua inglesa – existem variantes desse modelo básico. Em todos os casos, todavia, são poucas as disciplinas comuns e obrigatórias e o acesso ao ensino superior se faz por meio de exames bastante diferenciados. Ou seja: no ensino médio o nome do jogo é diferenciação.
A pergunta relevante é se a reforma do ensino médio recém-aprovada pelo Senado vai provocar mudanças significativas na educação brasileira. Tomara que sim, mas as chances são poucas.
Analisemos as dificuldades e as possibilidades.
As dificuldades decorrem da forma brasileira de fazer reformas na educação. A primeira barreira é a lei: as reformas se fazem por lei, detalhistas, que cerceiam, ao invés de estimularem a inovação. A segunda é o conteúdo da lei – no caso concreto, a divisão das áreas acadêmicas é capenga e especifica demais as disciplinas obrigatórias, além de deixar margem de ambiguidade a respeito do que seja efetivamente “comum”.
A terceira é o desnecessário aumento da carga horária e custos associados. A quarta é o açodamento – já se fala em especificar os currículos até o final do ano, o que sinaliza que não teremos nada robusto. A quinta é que o Sistema S não veio para dentro da reforma, com sua experiência e recursos.
A sexta é que o modelo adotado não considerou a implementação e fatores como população, escala e estruturas escolares. A sétima é que pesou mais na reforma o interesse das corporações e a visão de conteúdo das redes estaduais. Resultado: a proposta aprovada não encanta nenhum dos poucos grandes especialistas brasileiros no ramo.
Dezenas de países fizeram importantes reformas nos últimos anos, inclusive no ensino médio. A maneira de proceder é muito diferente da nossa.
Uma característica comum é a consistência: reformas têm um fio condutor que, mesmo passando pelo debate e pela persuasão, fica mantido. Por trás delas há um partido político, um relatório robusto ou um argumento sólido, defendido de maneira explícita pelo grupo responsável. Na Inglaterra, o modelo mais usual é o de relatórios, na França as reformas são assumidas pelo partido majoritário e frequentemente levam o nome do ministro responsável. O ponto crítico é a consistência, e não a simples acomodação a interesses e pressões. Num país federativo como os Estados Unidos, o governo federal atua tipicamente pela via do incentivo ou pelo estímulo à inovação baseada em evidências.
Outro fator característico das reformas nesses países é a viabilidade da implementação, levando em conta aspectos institucionais, custos e prazos. Nada disso caracteriza a nossa reforma do ensino médio.
Ademais, há três grandes gargalos do ensino médio brasileiro que sinalizam limites ao êxito da reforma.
O primeiro é o nível dos alunos – de acordo com os dados da Prova Brasil, é baixíssima a porcentagem daqueles em condições de cursar qualquer tipo de ensino médio e muito menos um ensino acadêmico rigoroso. Isso não deverá mudar nos próximos anos. O segundo gargalo refere-se ao preconceito contra o ensino profissionalizante, difícil de ser superado. O terceiro é o excesso de corporativismo e o viés academicista que se esconde por trás da lista interminável de disciplinas e requisitos. Não será fácil superá-los.
Mas há brechas para esperança. Experiências como as do ICE em vários pontos do País – que contempla uma alternativa em tempo parcial – mostram que um modelo pedagógico e gerencial bem estruturado e implementado pode tornar viáveis expressivos ganhos de qualidade. A experiência do Sistema S – e ainda mais se acoplada com recursos adicionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – poderia ampliar rapidamente a oferta de ensino profissionalizante de qualidade, especialmente na área de serviços.
Certa vez perguntaram a Gandhi o que ele achava da civilização ocidental. A resposta veio cortante: pode ser uma boa ideia. A reforma do ensino médio também.
*João Batista Araujo e Oliveira
17 Fevereiro 2017*Presidente do Instituto Alfa e Beto

Nenhum comentário:

Postar um comentário