Como melhorar a qualidade da educação em meio à descontinuidade das políticas?

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal, UOL


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Infelizmente, a descontinuidade das políticas públicas educacionais é uma constante no Brasil. Desconstruir esta cultura é um enorme desafio, ainda mais quando a economia não está bem. São inúmeros os exemplos de descontinuidade de programas e ações que afetam diretamente a rotina escolar e, por consequência, a aprendizagem dos alunos. Mudar essa tendência é imprescindível para que o Brasil possa dar o salto de qualidade necessário para assegurar a todos os estudantes o direito à educação de qualidade.

Como exemplo, podemos citar a interrupção do crescimento do número de matrículas em tempo integral no Ensino Fundamental em todo o país. Segundo dados do Censo Escolar divulgados na semana passada, as matrículas em tempo integral caíram de 4,5 milhões para 2,4 milhões entre 2015 e 2016. Entre as possíveis explicações estão a crise econômica que interrompeu ações como o programa federal Mais Educação. Além disso, com a queda na arrecadação e, por consequência, nos recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), muitas redes deixaram de investir em políticas de educação integral.

Estamos, portanto, mais distantes de cumprir a meta do PNE (Plano Nacional de Educação), que determina a ampliação da oferta da educação em tempo integral em, no mínimo, metade das escolas públicas, de forma a atender, ao menos, 25% dos alunos da Educação Básica.

Outro caso de descontinuidade ocorreu em São Paulo. Em dezembro, a Secretaria Estadual de Educação publicou a Resolução SE 65, que reduz o quadro de profissionais que compõem a equipe gestora das escolas. A mudança foi justificada pela necessidade de se reduzir a contratação de professores temporários e aumentar o número de efetivos em sala de aula.

Segundo levantamento da Udemo (Sindicato de Especialistas em Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo), 70 escolas perderam, ao mesmo tempo, o vice-diretor, o professor coordenador e o gerente de organização escolar, ficando apenas o diretor. Além dessas, outras 700 escolas, cerca de 12% dos estabelecimentos de ensino da rede, perderam o vice-diretor e o professor coordenador.

O coordenador tem um papel fundamental na garantia das condições de trabalho pedagógico dentro da escola, sobretudo no que diz respeito à formação em serviço dos professores e no acompanhamento da aprendizagem dos estudantes.

O Ministério Público Estadual abriu inquérito para analisar a medida --que, segundo reportagem do jornal o Estado de S.Paulo, pode afetar cerca de 3 mil servidores, que deixarão os cargos administrativos para voltar à sala de aula como professores. Com a mudança, uma escola que atende alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da EJA (Educação de Jovens e Adultos) que tenha até 30 turmas e funcione nos turnos da manhã, tarde e noite terá apenas um coordenador pedagógico.

Na Escola Estadual Pedro Moreira, no Jardim Lapenna, periferia da zona leste da capital paulista, o ano letivo começou com dois coordenadores pedagógicos e um vice-diretor a menos. Até o ano passado, para atender os mais de 1.400 alunos do Ensino Fundamental e Médio (nos turnos da manhã, tarde e noite) e 77 professores, a equipe gestora era composta por um diretor, dois vices e três coordenadores pedagógicos.
Em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, a EE Professor Antonio Viana de Souza já vive essa situação desde 2016. Segundo a diretora, no ano passado ela deixou de ter dois coordenadores e passou a contar com apenas um. A escola tem 50 professores e atende mais de 900 alunos dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, distribuídos em 30 turmas e dois períodos: matutino e vespertino. Com o quadro de profissionais reduzido, atender às necessidades formativas dos docentes e as especificidades dos estudantes de diferentes etapas se tornou uma tarefa ainda mais desafiadora.

Fortalecer o papel do coordenador pedagógico ainda é uma realidade distante nas escolas brasileiras. É o que o Instituto Chapada tem feito nas formações nas redes em que atua, na região da Chapada Diamantina, no interior da Bahia, sempre com foco no aprendizado e na formação continuada de professores e no acompanhamento das práticas didáticas. Diferentes estudos realizados pelo instituto demonstram a importância fundamental do coordenador pedagógico nos bons resultados alcançados nas escolas da região da Chapada Diamantina (BA) em diferentes indicadores educacionais, entre eles o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

Com um orçamento curto, superar a escassez de profissionais em sala de aula é sem dúvida um desafio para os gestores públicos. No entanto, descobrir um santo para cobrir outro não é a melhor saída. Diferentes estudos nacionais e internacionais têm apontado a gestão como fator estratégico para se produzir bons resultados. Se uma boa educação exige bons professores, ela também não pode prescindir de bons coordenadores pedagógicos e uma equipe gestora sólida. Sem garantir essas condições, dificilmente nossas escolas serão um espaço de pesquisa e de formação com foco na aprendizagem e no sucesso escolar de todo e qualquer estudante.

Em um cenário de crise, às vezes não há alternativas a não ser fazer ajustes nas políticas públicas. Porém, a sociedade deve estar atenta para que as mudanças não sejam realizadas sem que seus impactos sejam efetivamente dimensionados. Sem isso, são grandes as chances de retrocesso.

MARIA ALICE SETUBAL

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.