25 de julho de 2016

Escola sem Partido é contestado


Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC

A ideia de que a Educação deve ser permeada pela neutralidade política, ideológica e religiosa é a base do projeto de lei 193/2016, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), que pretende incluir o programa Escola sem Partido entre as diretrizes e bases da educação nacional. Polêmica, a proposta é alvo de consulta por meio do portal e-Cidadania e de discussão entre educadores. Em entrevista ao Diário, especialistas contestam a medida ao destacar que o papel o ambiente escolar deve promover o debate de ideias diversas.
O movimento Escola sem Partido foi criado por integrantes da sociedade civil em 2004 e é coordenado pelo advogado Miguel Nagib. A proposta leva em conta que “é fato notório que professores e autores de materiais didáticos vêm se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes à determinadas correntes políticas e ideológicas para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral”. Na visão do grupo, é necessário adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas.


Para a presidente-executiva do TPE (Todos Pela Educação), Priscila Cruz, o projeto “não faz sentido” e também impede a liberdade de expressão assegurada pela Constituição Federal. “É uma legislação midiática e acredito que seja difícil de ser aprovada”, considera.
Do ponto de vista educacional, Priscila ressalta que a medida vai contra o que se espera do trabalho do professor, que é estimular a discussão de ideias entre os alunos. “O que tem que melhorar é a formação dos professores no País. Não podemos fugir desse assunto com uma lei da mordaça”, destaca.
O professor de Pedagogia da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Rafael Dutra, observa que a ideia de que o que se ensina pode ser neutro não condiz com a realidade. “A escola não pode se alienar e ficar a parte da sociedade. O ambiente escolar deve promover o debate e transitar entre as diferentes ideias, teorias e leituras de sociedade. É uma pena que passemos a considerar alguns pensadores como subversivos”, diz.
Na visão do professor da Pós-Graduação em Administração da Universidade Metodista de São Paulo e membro do CNE (Conselho Nacional de Educação), Luiz Roberto Alves, o papel social da escola é duplo: educar e ensinar, o que significa que a unidade de ensino “precisa fazer ecoar ideias, valores, símbolos, mitos, fatos, pesquisas e deve discuti-los, todos, a bem da formação livre e autônoma das gerações. Não só discutir como também pesquisar, isto é, levantar dados, organizar conceitos, sistematizar fatos e analisar”. Dessa forma, educar, na concepção do especialista, significa experimentar, suar a camisa e construir inteligência. “Fora dessa concepção de escola, o que se tem é um cursinho particular que supõe ensinar algumas coisas que já estão nas enciclopédias e internet para fazer exames”, conclui.

Para MPF, projeto é inconstitucionalA Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, encaminhou, na sexta-feira, ao Congresso Nacional, nota técnica na qual aponta a inconstitucionalidade do Projeto de Lei 867/2015, que inclui o Programa Escola sem Partido entre as diretrizes e bases da educação nacional. O documento servirá como subsídio para análise do projeto que tramita na Câmara dos Deputados, assim como para todas as proposições legislativas correlatas.
Na nota técnica, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, destaca que o PL 867/2015 “nasce marcado pela inconstitucionalidade”. Isso porque, a Constituição Federal, em seu Artigo 205, traz como objetivo primeiro da Educação o pleno desenvolvimento das pessoas e a sua capacitação para o exercício da cidadania. A seguir, enuncia também o propósito de qualificá-las para o trabalho.
“Essa ordem de ideias não é fortuita. Ela se insere na virada paradigmática produzida pela Constituição de 1988, de que a atuação do Estado pauta-se por uma concepção plural da sociedade nacional. Apenas uma relação de igualdade permite a autonomia individual, e esta só é possível se se assegura a cada qual sustentar as suas muitas e diferentes concepções do sentido e da finalidade da vida”, afirma.
Para a procuradoria, sob o pretexto de defender princípios como a “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado”, assim como o “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico”, o Programa Escola sem Partido coloca o professor sob constante vigilância, principalmente para evitar que afronte as convicções morais dos pais.
A procuradora federal reforça a importância de desmascarar o compromisso aparente que tanto o PL como o Programa Escola sem Partido têm com as garantias constitucionais.

Aprovada em Alagoas em maio, lei já é alvo de ação no STF
A lei estadual que instituiu o Programa Escola Livre em Alagoas – 7.800/16 –, foi inspirada no Escola Sem Partido e vigora desde 9 de maio. No entanto, a AGU (Advocacia-Geral da União) produziu parecer para o julgamento de uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a medida. O órgão do governo federal considera que o modelo é inconstitucional.
Para a AGU, a lei é inconstitucional porque a competência para “elaboração das normas gerais foi atribuída à União, que legisla no interesse nacional, estabelecendo diretrizes que devem ser observadas pelos demais entes federados. Aos estados e ao Distrito Federal cabem suplementar a legislação nacional”, acrescentou o órgão.
A AGU incluiu em seu posicionamento que a Contee (Confederação dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino), autora do questionamento, não reúne condições legais para propor a ação.
O Programa Escola Livre foi aprovado em Alagoas no primeiro semestre. O projeto de lei recebeu maioria dos votos a favor na Assembleia Legislativa, mas foi vetado pelo governador Renan Filho (PMDB). Os deputados estaduais, porém, conseguiram aprovar a derrubada do veto. Com isso, o professor que descumprir a lei estará sujeito a sanções e penalidades previstas no Código de Ética dos Servidores Públicos e no Regime Jurídico dos servidores.

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