2 de julho de 2016

A evolução da cobertura de educação e seus desafios

Convidados da Jeduca discutem espaço dado ao tema e o impacto da crise econômica e da revolução digital no noticiário


O que mudou na cobertura jornalística de educação no País nos últimos anos? Houve avanços ou retrocessos? E qual o impacto nessa cobertura da atual crise econômica e da própria crise do modelo de negócios do jornalismo causada pela revolução digital?

Esse foi um dos temas discutidos no dia 23 de junho, no lançamento oficial da Jeduca, ocorrido durante o congresso anual da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), na Universidade Anhembi-Morumbi, zona sul de São Paulo. No evento foi realizada uma mesa com a participação dos jornalistas Antônio Gois (colunista de O Globo e presidente da Jeduca), Rodrigo Ratier (revista Nova Escola) e Renata Cafardo (da TV Globo e diretora da Jeduca), além de representantes de duas entidades que se notabilizaram pela defesa da educação de qualidade no País, Alejandra Velasco, do Todos Pela Educação, e Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (veja o vídeo aqui).

“O jornalismo no Brasil ainda depende muito do governo, da força com a qual o governo pauta um tema”, afirmou Daniel. Para ele, a educação tem ficado em segundo plano em virtude da dimensão da crise política e econômica, que se impôs justamente quando o governo federal acabara de adotar o slogan Pátria Educadora.

Daniel mencionou um dado curioso, fruto da análise que fez de todas as manifestações públicas da presidenta afastada Dilma Rousseff. A presidenta citou o termo educação em 572 dos 921 discursos proferidos desde o primeiro mandato. No período final do governo, porém, Dilma só mencionou o Pátria Educadora 22 vezes em quase cem discursos. “Quando ela elegeu o lema, deixou de colocá-lo como um tema forte.”

Ainda que não disponha de dados empíricos, o coordenador da Campanha acredita que esse recuo da educação na agenda do governo federal contribuiu para que o tema perdesse espaço na cobertura de televisão. Daniel acredita que esse impacto foi menor no jornalismo impresso, no qual outros fatores tiveram papel mais relevante, como o corte de profissionais e a extinção de editorias de educação.

Alejandra destacou a mudança de perfil da cobertura de educação em um horizonte de tempo mais longo. “Os temas mudaram radicalmente”, disse. O espaço dedicado a questões pontuais, como filas para vagas em escolas, abriu-se para o “debate sobre políticas públicas”, como o Plano Nacional de Educação ou a Base Nacional Comum Curricular.

“Houve uma mudança que passou de notícias geradas por fatos para fatos que geram reflexões sobre políticas públicas”, disse Alejandra. “Ou até mesmo para cobrir temas como educação especial e educação inclusiva, desvinculados de fatos.”

Mediadora do debate, Renata Cafardo perguntou sobre a importância das avaliações (como o Enem e a Prova Brasil) para essa alteração de perfil. Alejandra concordou que as avaliações foram um marco, mas destacou que o aspecto mais importante foi a mudança de enfoque. “A cobertura das avaliações também mudou. Passou dos rankings para informações mais qualificadas sobre o público que faz essas avaliações, permite contar histórias diferentes sobre os resultados.”

Para Alejandra, um dos desafios da cobertura hoje é ampliar o espaço na imprensa regional, privilegiar o “tratamento da educação no território”.  “A Jeduca nasce com essa vocação interessante, de uma possibilidade de interlocução que pode trazer resultados muito bons.”

Sobre a crise econômica e o impacto do digital sobre o impresso, a coordenadora do Todos Pela Educação acha que é preciso “fazer desse limão uma limonada”. Para Alejandra, o fechamento de editorias exclusivas tem provocado a migração de profissionais que se especializaram em educação para outras áreas dos veículos. “Isso permite que a educação deixe de ser um tema restrito nele mesmo e alcance outras editorias”, disse. “Esse é um desafio também presente nas políticas públicas, o de como pensar a educação a partir de outros lugares, como algo chave para o desenvolvimento do País, como um investimento que não é menos importante do que estradas.”

Daniel Cara chamou a atenção para o fato de a revolução digital estar deslocando o público dos veículos tradicionais para as redes sociais. Outro desdobramento desse processo é o fato de que nem a imprensa nem os profissionais detêm mais o monopólio da informação. “Recentemente dei uma entrevista para uma grande rede nacional de televisão e ela teve muito menos impacto que um vídeo sobre desvinculação de receitas [a proposta em debate no Congresso de reduzir o porcentual obrigatório de gastos do orçamento em educação e saúde] que eu gravei no YouTube de maneira extremamente amadora na Campanha”, disse. “O mundo está mudando em relação à comunicação. Isso não agenda a posição de um governo, o veículo ainda tem esse poder, mas o fato é que já tem novas formas de comunicação sendo estabelecidas, que são muito importantes.”
      

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