16 de maio de 2016

A crise para além da agenda econômica

Opinião: 

13 de maio de 2016
"Só será possível melhorar a Educação se investirmos na melhoria dos profissionais que a compõem. Prioritariamente, os professores, peça central no aprendizado", afirma Fernando Abrucio

Fonte: Valor Econômico (SP)



O debate sobre a crise brasileira atual tem se concentrado demasiadamente nos problemas e remédios econômicos. É claro que o país terá de passar por mudanças na seara econômica para gerar novo ciclo virtuoso. O ajuste fiscal, o aumento da produtividade, o retorno do crescimento, o combate à inflação, para citar os principais, são todos pontos essenciais da agenda. Mas não se pode esquecer que outras políticas públicas, mormente as da área social, são peças­chave para o desenvolvimento brasileiro, tanto no curto quanto no longo prazos.
É provável que, ao longo desse ano, a crise social piore antes de haver uma melhora. As medidas econômicas, mesmo se bem­ sucedidas, demorarão um tempo razoável para ter resultado. Nesse ínterim, se não houver maior eficiência e efetividade das ações sociais, de todos os níveis de governo, quem quer que seja o governante máximo do país terá dificuldades para conseguir apoio e legitimidade.
A crise já está batendo forte na provisão de serviços públicos nos Estados e municípios. O atraso de pagamento do funcionalismo, em várias unidades da Federação, tem gerado greves e piora no atendimento ao cidadão. Soma­-se a isso a cobrança cada vez maior em relação à qualidade dos equipamentos sociais.
As ocupações de escolas estão se expandindo pelo país, embora mais concentradas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Se não for constituído um pacto emergencial entre os três níveis de governo, com forte atuação da União, o Brasil terminará o primeiro semestre como uma panela de pressão. É interessante notar que esse problema, que está crescendo mês a mês, não tem recebido a atenção devida nem da mídia nem da maioria das manifestações de rua dos grupos organizados.
O problema social se agrava, ademais, com o avanço do desemprego. Claro que medidas econômicas podem, em algum momento, reduzir os alarmantes índices atuais. Só que isso vai demorar bastante para grande parcela dos atingidos. Enquanto os resultados das ações macroeconômicas não chegam ao cidadão comum, a perda da renda tem levado à precarização das condições de vida das famílias, que se endividam e cortam gastos essenciais, num processo desesperador. Por isso, para implantar medidas estruturais que tenham algum custo social, o governo terá de adotar, ao mesmo tempo, ações que minorem, no curto prazo, o sofrimento das pessoas, sobretudo nas regiões mais pobres, sejam rincões ou periferias metropolitanas.
Esse balanceamento entre medidas econômicas e ações sociais será essencial para o país sair do fundo do poço. Paralelamente, é preciso fazer alterações estruturais no campo das políticas públicas. Para tanto, será preciso ter, inicialmente, um diagnóstico mais claro da situação dos vários setores governamentais. Os últimos anos de embate político não se orientaram, com raras exceções, por um retrato claro sobre os resultados dos gastos públicos, fato que também tem se reproduzido nas discussões da opinião pública, marcadas, geralmente, por um "achismo" sobre o que tem feito o Estado brasileiro em cada área.
Na verdade, tem sido assustador o crescimento de visões ideológicas, já com respostas padrão para os problemas sem antes conhecê­-los profundamente, algo que só pode ser feito por meio de evidências e tratamento técnico adequado. Fórmulas como "menos Estado é sempre melhor" ou "o que precisamos é mais Estado" são muito genéricas para construir políticas públicas consistentes.
O mapeamento da situação das políticas pública passa por um rastreamento das ações e de seus resultados, procurando compreender os fatores que tiveram os efeitos mais importantes no desempenho governamental. Na teoria da gestão pública, quando se trata do tema da melhoria do gasto público, fala-­se fundamentalmente dos chamados "Es" da administração: eficácia, eficiência, efetividade, ética, equidade, empoderamento e excelência.
A eficácia diz respeito à garantia dos bens públicos ­ aumento de vagas em creches ou leitos hospitalares, por exemplo ­ e do acesso da população a tais equipamentos. Muitas políticas públicas brasileiras ainda estão no estágio da falta dos serviços básicos, embora programas universalizantes tenham crescido substancialmente nos últimos anos.
A eficiência de um programa governamental vincula-­se, basicamente, à capacidade de otimizar melhor os recursos. A tradição anglo­-saxã resume essa questão numa fórmula: "Doing more with less". Hoje, se diz que é preciso fazer mais e melhor com os mesmos recursos. Ser eficiente será cada vez mais importante no Brasil, não porque diminuirão os gastos sociais, mas em razão do fato de que a demanda por serviços crescerá mais do que a capacidade de incrementar as receitas e os insumos nas mãos do Estado.
A otimização dos recursos não é suficiente para melhorar a qualidade do gasto público. É preciso aumentar o impacto da ação governamental, isto é, ser capaz de atingir os objetivos esperados, em termos de público-­alvo e melhoria dos serviços ou condições sociais. Trata-­se aqui da efetividade, noção cada vez mais importante, porque o que importa nas políticas públicas é se elas são capazes de melhorar a vida dos cidadãos, sobretudo dos que mais precisam da atuação estatal.
Além do aumento da eficiência e da efetividade, outro sinalizador importante do desempenho das políticas públicas é a busca da equidade. Não se pode analisar a qualidade de um serviço apenas pela média dos seus resultados? é essencial que os menos favorecidos socialmente sejam mais afetados pela ação governamental. Tal proposição é ainda mais verdadeira num país como o Brasil, cuja principal marca, sem dúvida alguma, é a desigualdade. Por isso, a tarefa dos governantes não é só melhorar a provisão dos bens públicos, mas fazê­-lo de modo que se busque a ampliação da igualdade de condições.
As ações governamentais também devem ser avaliadas conforme conseguem responder à sociedade, tornando o Estado mais "accountable" frente aos cidadãos. Nesse quesito, dois "Es" da administração pública são fundamentais: a ética e o empoderamento. A primeira relaciona-­se com a capacidade de o poder público atuar com probidade e transparência. Essa é a essência do ideal republicano que está inscrito nas democracias modernas. Embora pareça um preceito óbvio, sua ausência é mais corriqueira do que os cidadãos em todo o mundo gostariam.
No caso brasileiro, aliás, os diversos escândalos recentes mostram que um pouco mais de ética teria levado a melhores resultados, por exemplo, no campo da infraestrutura e grandes obras, o grande foco da corrupção do país no seu entrelaçamento com o financiamento eleitoral.
Mas a sociedade não quer apenas governos éticos. Ela tem sede igualmente de participar, de ser ouvida, de saber que sua opinião foi, ao menos, levada em consideração na produção das políticas públicas. Eis aí um grande desafio para os políticos brasileiros, que não estão, no geral, muito acostumados a conversar regularmente com os cidadãos, desenvolvendo a habilidade de auscultar o povo e aprender com ele. O círculo virtuoso da gestão pública se completa com a excelência dos serviços, que é derivada não só de se sua organização e tecnologias gerenciais, mas sobretudo da qualidade do elemento humano. Não há boa política pública sem uma boa burocracia: está é a principal lição da experiência internacional.
Se fôssemos dar um exemplo de como uma política pública no Brasil poderia congregar todos esses "Es" da administração, a educação seria um caso paradigmático. No que tange à eficácia,o ensino da primeira infância, um dos mais importantes ciclos, ainda tem problemas de falta de equipamento, pessoal e de acesso. A eficiência será cada vez mais central, uma vez que se terá de fazer mais e melhor com recursos que não crescerão tanto quanto gostaríamos.
Nessa linha, por exemplo, os municípios deveriam se juntar em consórcios para fazer boa parte de suas atividades ­ transporte, merenda, material pedagógico e capacitação ­ conjuntamente. Em termos de efetividade, é preciso atuar nos pontos certos do sistema e investir no que faz a diferença. Alfabetização consistente, maior acompanhamento dos alunos e menor dispersão dos conteúdos, com uma base curricular mais bem definida, são aspectos que podem favorecer o desempenho.
Não se pode esquecer que, se a desigualdade é o maior problema do Brasil, a educação é, do ponto de vista estrutural, o melhor remédio, pois assimetrias sociais são grandes na provisão de serviços educacionais, de modo que é preciso privilegiar, em todos os ciclos, os alunos em condições menos favorecidas. A focalização no desempenho não pode ignorar que é preciso ter gestores éticos e que sejam capazes de responder e dialogar com o público, entendendo principalmente as demandas dos mais jovens das escolas públicas e dando­-lhes o exemplo do bom uso dos recursos públicos.
Por fim, só será possível melhorar a educação brasileira se investirmos na melhoria dos profissionais que a compõem. Prioritariamente, os professores, peça central no aprendizado. Formar melhores docentes é tarefa que não deveria sair da cabeça dos governantes, se quiserem um futuro melhor ao país.
PS: Como modesta contribuição a essa árdua tarefa, lanço na quarta-­feira o livro "Formação de Professores no Brasil: Diagnóstico, Agenda de Políticas e Estratégias para a Mudança" (Moderna/Santillana), junto com o movimento Todos Pela Educação.

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