Sustentabilidade requer desafios específicos e redes sociais atuantes
Inovação para a sustentabilidade tornou-se um desafio incontornável para as empresas, independentemente de seu tamanho ou de seu setor de atuação. Claro que nem todos estão expostos da mesma maneira aos impactos de eventos climáticos extremos, da poluição ou da erosão da biodiversidade. Mas ninguém escapa das alterações nas preferências de mercado, nas bases tecnológicas, na regulação governamental e nas pressões sociais que decorrem dos problemas socioambientais contemporâneos. As oportunidades e as ameaças decorrentes destas alterações estão redesenhando a vida social, embora poucos líderes e poucas corporações consigam integrar de maneira organicamente articulada inovação para a sustentabilidade a seu planejamento estratégico. O segredo para preencher esta preocupante lacuna não está na genialidade de alguns inventores ou no surgimento de tecnologias milagrosas.
“Esqueça a ideia: a inovação é a rede”, resume Andrew Hargadon, professor de empreendedorismo e gestão de tecnologia na Universidade da Califórnia, Davis e um dos mais prolíficos autores atuais sobre inovação. Seu mais recente livro resulta de uma pesquisa encomendada em 2010 pelo Pew Center on Climate Change, que o levou a duas conclusões importantes. A primeira, que pode parecer óbvia, é que o termo genérico “inovação para a sustentabilidade” só faz sentido à luz de desafios específicos, concretos e que são diferentes para cada segmento da economia.
A segunda conclusão, esta não tão evidente, é que o segredo para enfrentar estes desafios não está em descobertas e invenções com o súbito condão mágico de provocar rupturas. Está, sim, na habilidade de favorecer a formação das redes sociais que vão permitir que as inovações se concretizem. Ao final de cada um de seus oito capítulos, o livro dirige perguntas aos dirigentes empresariais e uma das mais importantes consiste em saber se as companhias possuem as pessoas habilitadas para estabelecer as conexões que tornarão as inovações viáveis.
Inovar, muito mais que inventar, é estabelecer conexões. O maior problema da inovação para a sustentabilidade é que ela se apoia em soluções que só se viabilizam com base em redes sociais diferentes daquelas que mantêm o dia a dia dos negócios. Ao mesmo tempo, exatamente por se tratar de organismos sociais complexos e heterogêneas (que incluem os clientes, os fornecedores, os reguladores públicos e os próprios concorrentes), estas redes não se improvisam nem surgem espontaneamente: elas exigem capacitações (capabilities) cuja localização e mobilização talvez sejam os fatores decisivos da liderança empresarial inovadora. Só que, como mostra Hargadon, as capacitações que trouxeram uma companhia até onde ela se encontra hoje não são necessariamente as que ela precisa para orientar-se estrategicamente em direção à sustentabilidade. Ao contrário, as capacitações existentes (ou seja, as pessoas, os conhecimentos, o círculo de relações privadas e públicas, as expectativas de clientes e fornecedores, as tecnologias, os sistemas de incentivo, em suma a cultura em que se assenta a empresa) podem até bloquear ambições inovadoras.
Este aparente impasse não pode ser resolvido pelo mito da inovação permanentemente disruptiva, mostra Hargadon. Na maior parte das vezes, o impacto de uma inovação é inversamente proporcional a sua novidade. Isso se explica pelo fato de que seu potencial só se realiza quando estão dadas as condições para que ela entre de fato na vida econômica e é exatamente isso que o estratégico trabalho de promover conexões propicia. É em torno destas conexões que poderá organizar-se a cadeia de valor que converterá a inovação em realidade. Esta organização não resulta mecanicamente do funcionamento dos mercados. Ao contrário, ela supõe um trabalho organizativo, político e cultural por parte das direções empresariais. Hargadon mostra Thomas Edison, Henry Ford, Elon Musk e outros grandes inovadores como gênios não da invenção, mas sobretudo da recombinação. A iluminação doméstica por eletricidade é anterior a Thomas Edison, o automóvel não foi inventado por Henry Ford nem a célula fotovoltaica por Elon Musk. Hargadon cita o próprio Henry Ford: “eu não inventei nada de novo. Eu simplesmente reuni num carro a descoberta de outros homens por trás dos quais há séculos de trabalho”. A famosa linha de montagem que elevou a produção do Ford T de 1.600 unidades em 1908 para 265.000 em 2014 (com redução de quase 50% no preço de cada carro) inspira-se em formas produtivas já consagradas à época na produção industrial de carne.
Esta recombinação vai muito além muito além da tecnologia. Os critérios que vão nortear a inovação para a sustentabilidade são definidos, em última análise, pela interação entre ciência, política e pressão dos mais variados tipos de organização social. Hargadon mostra que, nos Estados Unidos, as substâncias não orgânicas autorizadas como parte de produtos alimentares orgânicos passam de 77 em 2002 para 250 na atualidade. Isso não reflete indulgência no rigor da classificação nem significa que os alimentos orgânicos são menos saudáveis hoje do que há uma década. O caráter recombinante da inovação para a sustentabilidade coloca as empresas no centro da negociação não só com reguladores governamentais, mas também com organizações da sociedade civil.
É daí que resultam iniciativas como as da Sustainable Apparel Coalition, resultante de um acordo inicial entre a Patagonia e a Walmart e que hoje reúne marcas, varejistas, industriais, governos, ONGs e pesquisadores representativos de um terço da produção global de vestuário e calçados. Esta coalizão lançou um índice com a ambição de medir os impactos socioambientais da oferta destes bens, com base na análise do ciclo de vida dos produtos. E isso não pode ser feito por cada empresa isoladamente. Hargadon cita Yvon Chouinard, o criador da Patagonia: “Uma companhia comprometida com a sustentabilidade, mas trabalhando de forma unilateral pode realizar muito pouco. Se você quer realmente fazer diferença, trabalhe junto com seus parceiros e com seus concorrentes um índice de sua cadeia de valor”.
Por Ricardo Abramovay | Para o Valor, de São Paulo – Eu&Cultura p. D3 – 11/08/2015
“Sustainable Innovation: Build Your Company’s Capacity to Change the World”
Andrew Hargadon. 240 págs. US$ 30,48 (Stanford)