11 de agosto de 2015

HÉLIO SCHWARTSMAN, Marcha civilizacional


SÃO PAULO - O STF deve começar a julgar nesta quinta uma ação que poderá resultar na descriminalização do uso de todas as drogas no país. Trata-se do Recurso Extraordinário 635.659, em que se contesta a constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas (nº 11.343/06), que penaliza a posse de entorpecentes para uso próprio.
Pelas petições que li, o cerne da discussão é se o dispositivo fere ou não o princípio de inviolabilidade da vida privada (CF, art. 5º, X). Trocando em miúdos, haveria uma esfera da intimidade que nem o próprio Estado tem legitimidade para regular. Esse, vale frisar, é um debate que vai além da questão do uso recreativo de psicofármacos. O que o STF terá a oportunidade de definir é o alcance mesmo da liberdade individual no ordenamento jurídico brasileiro.
O embate entre o que é percebido como bem coletivo (no caso, saúde e segurança públicas) e a autodeterminação do cidadão não é novo. E a tendência, desde o Iluminismo, tem sido a de privilegiar o segundo elemento. Foi nesse movimento que o Brasil aboliu, já em 1830, as leis que criminalizavam a sodomia. Pelo código anterior, as Ordenações Filipinas, homossexuais deveriam ser feitos "per fogo em pó". Se o pecado fosse só o de molície (masturbação entre pessoas do mesmo sexo), a pena era mais leve: degredo nas galés.
A marcha liberalizante não parou no sexo e na intimidade. Houve avanços significativos em outras liberdades individuais, como o direito à livre expressão e as garantias contra arbitrariedades do poder público. Obviamente, há muito a melhorar. A noção de autonomia do paciente em questões de saúde, por exemplo, apenas engatinha no Brasil.
O STF tem diante de si a oportunidade de dar um importante passo para consolidar a autonomia do indivíduo, que, numa simplificação tolerável, está entre as maiores contribuições do Ocidente para o mundo. Esperemos que não a desperdice.

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