24 de dezembro de 2014

Reforma educacional abala líder chilena

Presidente Bachelet vê popularidade despencar menos de um ano após ter sido eleita; projeto provoca reações

Principais pontos de controvérsia são a participação do setor privado e acesso dos pobres a universidades
SYLVIA COLOMBODE SÃO PAULO, 24/12/2014,folha de s.paulo

A três meses de completar seu primeiro ano de gestão, a presidente socialista chilena Michelle Bachelet, 63, vê seu nível de aprovação despencar de 63% para 38%.
Por trás disso estão a desaceleração econômica [o país deve fechar o ano com crescimento de 1,7% do PIB, após uma média de 5,8% entre 2010 e 2012] e o descontentamento com um projeto de lei para reformar a educação, que já começou a ser votado.
Na última segunda, foi promulgada a primeira parte, que cria o posto de administrador para gerir financeiramente as universidades e fiscalizar seus gastos. O restante será votado em janeiro.
"Há um diagnóstico da sociedade de que a educação é o grande problema do Chile. Primeiro, com relação ao acesso, depois, à qualidade do ensino. Foi essa a razão principal por trás dos protestos de 2011, e o que está levando as pessoas às ruas novamente", disse à Folha o analista político Fernando García Nadaf, da Universidade Diego Portales.
Naquela ocasião, estudantes secundaristas iniciaram manifestações que logo foram apoiadas por alunos de universidades, professores e ofolha de s.paulo, 24/12/2014utros setores da sociedade. A principal reivindicação era mudar o sistema, que desde a ditadura de Augusto Pinochet (1973-90) é praticamente todo privatizado e vinculado aos municípios --a participação do Estado nacional limita-se a subsídios.
Na campanha eleitoral, Bachelet prometeu aumentar a participação do Estado e assegurar acesso a estudantes carentes. Hoje, as escolas selecionam os alunos a seu critério, considerando as melhores notas, o que acentua a dificuldade dos estudantes mais pobres e de regiões afastadas de acesso às melhores instituições dos grandes centros, como Santiago.
Bachelet disse que levaria em conta a desigualdade regionais e a reivindicação dos indígenas (11% da população) de melhores condições de acesso a escolas.
Em setembro, o Congresso aprovou uma reforma tributária que, entre outras coisas, aumentou impostos de grandes empresas para financiar a reforma educacional.
O projeto enviado ao Parlamento, porém, não é o mesmo da campanha. Apesar de proibir instituições que visem o lucro e retirar dos municípios a gestão das escolas, a nova lei admite formas de participação privada, como o arrendamento de instituições, além de não garantir expansão da rede pública.
"Não é uma lei que vise ampliar a educação gratuita e estatal, porque cria novos mecanismos para que as privadas continuem atuando. O principal não está sendo combatido, os estudantes seguem sendo clientes e não cidadãos, e continuarão saindo da universidade endividados", afirmou à Folha Valentina Saavedra, 24, a nova líder da Federação de Estudantes da Universidade do Chile.
Os recentes protestos contra a reforma contaram também com o apoio da Confederação de Pais e Guardiões do Chile (Confepa).
A associação crê que o fim do subsídio combaterá as instituições que visam lucro, mas que isso pode provocar o fechamento de mais de 4.000 escolas em todo o país, por falta de recursos.
"Nós estamos de acordo com relação a combater os abusos de um sistema que é direcionado ao lucro, mas deixar de subsidiar vai fazer com que tenhamos que pagar mais, e que seja mais difícil colocar nossos filhos em bons colégios", diz Ericka Muñoz, presidente da associação.
"Bachelet tem chances de recuperar os níveis de aprovação, mas para isso se vê numa ansiedade de aprovar mais leis que são, de certo modo, eleitoreiras. A presidente percebe a movimentação da oposição, cujo apoio vem crescendo", diz García Nadaf.
Entre as reformas prometidas pela presidente estão revisão da lei de anistia, mudança nas leis trabalhistas e legalização do aborto.
Enquanto isso, já estão em ascensão nas pesquisas para 2018 o ex-presidente conservador Sebastián Piñera e Marco Enríquez-Ominami, do Partido Progressista. Em pronunciamento recente, Bachelet disse que o cenário econômico não é de recessão e que o país vive um contexto de desaceleração devido à queda das commodities, comum ao resto da América Latina.

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