9 de maio de 2014

Precisamos nos reconhecer racistas enquanto instituição, diz procuradora de Justiça sobre o MP

Estado de S.Paulo
CNMP
09.maio.2014 09:44:55

Coordenadora do grupo de Enfrentamento ao Racismo e respeito à diversidade do Conselho Nacional do Ministério Público, Maria Bernadete Figueiroa fala sobre os desafios de enfrentar o preconceito

por Mateus Coutinho
O “Racismo Institucional” nas empresas privadas e nos órgãos públicos, inclusive no Ministério Público, ainda é um grande empecilho para o enfrentamento do preconceito no País. A opinião é da procuradora de Justiça do Ministério Público de Pernambuco e coordenadora do Grupo de Trabalho “Enfrentamento ao Racismo e respeito à diversidade étnica e cultural” do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Maria Bernadete Figueiroa.
Responsável por discutir o tema no âmbito do órgão que fiscaliza a atuação do Ministério Público em todo o País, Maria Bernadete é uma das participantes do “Encontro Nacional: Atuação do MP brasileiro no enfrentamento ao racismo realizado pelo CNMP nesta semana em Recife (PE).
O evento vai até esta sexta e conta também com a participação da ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros; do presidente da Fundação Cultural Palmares, José Hilton Santos Almeida; do procurador-geral de Justiça de PE, Aguinaldo Fenelon; dos conselheiros do CNMP Cláudio Portela e Jarbas Soares Júnior.
Em entrevista ao Estado, Maria Bernadete conversou sobre o assunto e defendeu que o próprio Ministério Público precisa reconhecer internamente o racismo para combater comportamentos preconceituosos que ainda existem no País.
Veja abaixo a íntegra da entrevista:

ESTADO- Recentemente, episódios como o de Daniel Alves e do funcionário de uma empresa de Florianópolis que foi indenizado em R$ 15 mil após ser chamado de “macaco” pelo patrão mostram como o racismo está presente de diferentes formas. Como o MP pode contribuir para enfrentar o racismo nestas diferentes esferas (no trabalho, no cotidiano, etc)?
MARIA BERNADETE - Os dois episódios refletem o mesmo racismo que permeia os indivíduos e as instituições de países que, como o Brasil, se dizem Estado Democrático de Direito, mas mantém suas estruturas racistas (sociais e institucionais), alimentadas por práticas que reproduzem o racismo. O Ministério Público brasileiro, enquanto defensor do regime democrático e fiscal da lei, tem o dever constitucional de contribuir para o enfrentamento ao racismo, tanto na esfera penal, denunciando os crimes raciais, como na promoção das ações afirmativas para reverter as desvantagens históricas que afetam a população negra, conforme está previsto na Constituição, na legislação esparsa e no Estatuto da Igualdade Racial.
ESTADO- Tendo em vista que o MP atua quando acionado, como tem sido o diálogo do órgão com movimentos sociais e com a comunidade negra para enfrentar o problema?
MARIA BERNADETE - O Ministério Público não precisa esperar ser acionado para agir nas questões raciais e em muitas outras questões. A simples notícia pode desencadear a ação do Ministério Público Brasileiro por qualquer um de seus ramos. Em alguns tipos de crime, como na injúria racial, precisa que haja representação da vítima, o que pode ocorrer ainda na delegacia quando o ofendido presta a queixa ou posteriormente perante o próprio promotor. Já no crime de racismo previsto na lei 7.716/89, independe de representação da vítima. Quanto ao diálogo com os movimentos, tem se dado a partir de visitas às comunidades, encontros e audiências públicas com lideranças, inclusive estimulado por iniciativas do Conselho Nacional do Ministério Público, como a Ação Nacional em Defesa dos Direitos Fundamentais, que criou, entre outros Grupos, um Grupo de Trabalho específico de enfrentamento ao racismo para acompanhar a atuação do Ministério Público Brasileiro.
Episódio envolvendo Daniel Alves teve grande repercussão Foto: Reprodução
ESTADO- Quais as principais dificuldades dos MP em enfrentar o problema?
MARIA BERNADETE - Devido ao discurso de que “não somos racistas” porque somos uma “democracia racial”, a tendência é minimizar a realidade das discriminações raciais, que acabam não sendo vistas como uma grave violação de direito. Da temos que a principal dificuldade para o enfrentamento ao racismo, não apenas para o Ministério Público, mas para todas as nossas instituições, principalmente as do Estado, é o que se convencionou chamar de Racismo Institucional, que, resumidamente, é uma forma de as instituições manterem na sua estrutura, no seu dia a dia, uma hierarquia entre negros e brancos, mediante práticas que, explícita ou implicitamente, resultam em tratamento diferenciado para negros e não negros, de maneira a desfavorecer o primeiro grupo.

ESTADO- Quais desafios estão colocados pelo CNMP para aprimorar o enfrentamento do racismo nos próximos anos?
MARIA BERNADETE - Acho que, primeiramente, precisamos fazer uma grande discussão interna para nos reconhecermos racistas enquanto instituição e, simultaneamente, ampliar o diálogo com o movimento social negro, que muito tem a contribuir com a experiência do ser discriminado e com o saber específico construído ao longo de muitos anos.

ESTADO- Recentemente, a Câmara aprovou um projeto de Lei que prevê cotas para negros na administração federal. Qual a posição do CNMP sobre as cotas para cargos públicos?
MARIA BERNADETE - Não conheço a posição do CNMP em relação a esse assunto, mas acho que enquanto fiscais da lei, não poderemos negar cumprimento a lei depois de sancionada.

ESTADO- O CNMP é favorável à criação de cotas para cargos nos Ministérios Públicos? Por quê?
MARIA BERNADETE - Há em tramitação perante o Conselho Nacional do Ministério Público um Procedimento instaurado a partir de demanda do movimento negro com essa finalidade. Já houve um parecer favorável do Grupo de Enfrentamento ao Racismo do CNMP, mas ainda não foi julgado pelo colegiado. Portanto, precisamos aguardar.

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