9 de maio de 2014

Drogas: Carl Hart, neurocientista americano: ‘As pesquisas não falam o que importa’


  • O professor de Psiquiatria na Universidade de Columbia (EUA) veio ao Brasil para lançar o livro 'Um preço muito alto” e dar palestras no Rio
BRUNO AGOSTINI (EMAIL)
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Carl Hart, neurocientista americano: ‘As pesquisas não falam o que importa’ Foto: Gustavo Miranda / Agência O Globo
Carl Hart, neurocientista americano: ‘As pesquisas não falam o que importa’ Gustavo Miranda / Agência O Globo
“Tenho 47 anos, nasci em Miami, num lugar muito pobre, o que aqui vocês chamam de favela. Moro em Nova York com minha mulher e dois filhos. Virei cientista, estudei as drogas e seus efeitos, inclusive os sociais. E estudo como as pessoas mais pobres são afetadas pelas políticas públicas antidrogas”
Conte algo que não sei.
Muitas pessoas, a maioria, que usam crack não são viciadas, ao contrário do que se pensa.
Mas você sustenta isso há um bom tempo. Li muitas coisas a seu respeito antes de vir para a entrevista...
Bom trabalho. Então, vou te dizer algo que é importante para o Brasil. Eu encontro regularmente pessoas que não sabiam disso e dos problemas que levam ao crack. A sociedade diz que essa droga é uma praga, um grande problema. Mas não. O perigo é a pobreza, a miséria e a falta de perspectiva.
Mas pesquisas dizem que as drogas causam danos ao cérebro. Como a sociedade pode tratar do assunto de forma educativa, socialmente responsável, preservando a saúde das pessoas?
A sua pergunta é retórica. Mas as pesquisas não falam o que importa. Drogas causam danos cerebrais se consumidas em quantidades muito altas. A nicotina, que é legal, é a droga mais danosa ao cérebro se consumida em pequenas quantidades. Com apenas 15mg é possível haver danos. Já se alguém usar 15mg de cocaína, crack ou heroína vai só ficar high, só ficar doidão.
No Brasil, muitos crimes são associados ao consumo de drogas como o crack...
Poucos usuários cometem crimes, e eles já os cometiam ou os cometeriam, mesmo sem o consumo de drogas. A culpa é da pessoa, e não da droga.
E os seus livros? O que você quer com eles?
Quero mostrar que as pessoas foram enganadas, que muito do que se diz sobre drogas, moradores de rua, indigentes e marginais, não é verdade. Quero mostrar que pessoas que nasceram na favela podem ser bem-sucedidas, ter progresso na vida.
Qual é a sua missão, em termos profissionais?
Se eu tenho alguma missão, essa é fazer justiça social. Entender o que aflige parcelas consideráveis da população, gente que sofre. Justiça social significa ver as pessoas fora da pobreza, que todos tenham oportunidades iguais. Agora estava em um encontro com o movimento negro, e eles me deram uma informação impressionante. Dos 513 deputados federais do Brasil, apenas 7% são negros, sendo que esses representam 51% da população.
Por que negros não votam em negros?
Existem candidatos negros? Não existem. Bem como não existem, em quantidade significativa, nas universidades.
O momento é historicamente importante para se falar de drogas. Vários países estão debatendo a legalização da maconha, por exemplo.
Sim, mas falo de algo que é maior do que a maconha. Os debates sobre legalização envolvem apenas a maconha. Mas a verdade é que esta droga não é um problema, nem no Brasil nem em outros países. O tráfico de drogas, e crimes associados a ele, sim. Qual o sentido de se prender alguém porque fuma maconha? Isso é crime? Mas o Estado prende, e prende os mais pobres, subjugando as pessoas.
Qual é a sua mensagem aos brasileiros?
Antes de julgar as pessoas, coloque-se no lugar delas. Pense: se você não tem trabalho nem perspectiva, se você não tem condições de cuidar da sua família, o que você faria?
Essa é a sua primeira vez no Brasil?
Sim, a primeira, mas não a última, quero voltar muitas outras vezes. Tenho interesse no país.


 http://oglobo.globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao-sei/carl-hart-neurocientista-americano-as-pesquisas-nao-falam-que-importa-12431549#ixzz31Dzm8lPD 

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