11 de abril de 2014

Era uma vez? *Isaac Roitman


Era uma vez um planeta pequeno sem luz propria e muito difícil de ser percebido na

imensidão do universo. Orbitava em torno de uma estrela chamada Sol. Era um planeta

relativamente jovem. Surgiu a 4,5 milhões de anos, 9,2 milhões de anos depois da

origem do universo. No começo, era uma rocha derretida, que depois se solidificou e

formou a superfície terrestre. Naquela época devido a erupções vulcânicas, a atmosfera

era composta de vários gases. Houve um grande período de chuva, e as partes de terra

que não ficaram submersas formaram os continentes. A vida nesse planeta começou

há cerca de 3,5 bilhões de anos. As primeiras formas de vida eram microscópicas

e durante um processo conhecido como evolução surgiram as plantas e os animais.

Estima-se que nesse planeta existam cerca de 09 milhões de espécies, sendo que até o

momento aproximadamente 1,3 milhões foram catalogadas. Os primeiros mamíferos

surgiram há 200 milhões de anos quando havia um supercontinente - Pangeia – que

se fragmentou a aproximadamente 130 milhões de anos. O homem - Homo sapiens –

existe há 200.000 anos e se originou a partir de um ancestral primata. Há cerca de 8.000

a 5.000 a.C, com o surgimento da agricultura, o homem abandonou a sua vida nômade,

sedentarizando-se às margens dos rios e lagos, originando os primeiros aglomerados

urbanos, o que fez com que alguns grupos exercerem domínios sobre outros, gerando

assim sociedades desenvolvidas. A sociedade moderna foi marcada por inúmeras

transformações que impactaram no modo de vida e de relação entre os indivíduos. A

revolução industrial, e a reorganização do trabalho que ela fomentou, trouxe consigo

uma série de problemas sociais, conflitos e guerras.

O primeiro registro de guerra foi no ano 2.525 a.C no estado de Lagash na Suméria

(sudoeste do Iraque) contra o estado de Umma. Esses centros urbanos viviam em

constante rivalidade pelo domínio econômico, territorial e político. O império romano

foi protagonista de inúmeras guerras que se iniciaram no ano 343 a.C. e duraram

mais de 04 séculos. Desde o primeiro conflito o planeta nunca alcançou períodos

longos de paz. Mais recentemente a primeira guerra mundial (1914-1918) e a segunda

(1939- 1945), provocaram a morte de milhões de pessoas. Durante a primeira guerra

mundial H.G. Wells lançou um slogan “A Guerra para Acabar com Todas as Guerras”,

preconizando que estávamos iniciando uma sonhada utopia de paz permanente. Ele

errou, pois até hoje temos conflitos como no Oriente Médio e estados de guerra em

todo o planeta como consequência da violência descontrolada.

Vivemos uma encruzilhada onde dois caminhos podem ser vislumbrados. O primeiro

será a deteriorização das relações humanas tanto na dimensão individual como coletiva.

A cultura consumista e de falsos valores que nos é imposta aumentará os desvios de

conduta e a ampliação da injustiça social. Corremos o risco de novos grandes conflitos

com a utilização de armas de destruição em massa, nucleares, químicas ou biológicas.

Os recursos naturais de nosso pequeno planeta estão sendo esgotados continuamente.

Se continuarmos nesse estado de insanidade global é possível que a aventura do

surgimento da espécie humana termine. O epílogo dessa aventura seria: Era uma vez um

ser humano que não deu certo.

Um caminho alternativo seria uma inflexão no comportamento na vida das futuras

gerações. Com uma educação que prepare o ser humano para uma convivência

de respeito e solidariedade, poderíamos perpetuar aquilo que chamamos de vida

inteligente. Nesse cenário todos teriam uma vida digna e oportunidades para apreciar

as artes e os encantos da natureza. Para isso deveríamos proporcionar desde os

primeiros anos de vida uma educação, que como sugeriu Sigmund Freud, pudesse

provocar uma renúncia progressiva dos instintos criando caminhos para um mundo

novo onde todos teriam a oportunidade de alcançar a felicidade. Se formos capazes

de induzir esse protagonismo virtuoso para as gerações futuras, conquistaremos a

legitimidade de sermos verdadeiramente membros da espécie Homo sapiens. Nesse caso

o epílogo seria: Era uma vez um ser humano que deu certo. Essas reflexões lembram

o feliz pensamento de Euclides da Cunha: “Estamos condenados à civilização. Ou

progredimos ou desaparecemos”.

* Professor emérito e coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro da Universidade de

Brasília e membro titular da Academia Brasileira de Ciências.

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