24 de março de 2014

Novas fronteiras para a educação no século 21

ClippingCNTE

Data: 24/03/2014
Veículo: O GLOBO - RJ
Editoria: PAÍS
Jornalista(s): ANTÔNIO GOIS antonio.gois@oglobo.com.br

Testes tradicionais deixam de avaliar habilidades essenciais, diz Nobel de Economia
O que explica o bom desempenho de um aluno na escola? E por que algumas crianças de um mesmo grupo social, no futuro, se tornam adultos bem-sucedidos, enquanto outras não? Essas são perguntas sem respostas simples ou consensuais.

Uma das explicações possíveis está no papel da inteligência: jovens com maior capacidade cognitiva aprendem melhor e, dessa maneira, vão tirar as maiores notas em testes, passar no vestibular, estudar numa boa faculdade e conseguir melhores empregos. As boas escolas, seguindo essa linha de raciocínio, seriam aquelas que preparam seus estudantes para esses desafios. Como consequência, são também as mais bem colocadas em rankings elaborados a partir de avaliações como o ENEM.

A visão acima, no entanto, é bastante criticada por educadores que defendem que o papel da escola é muito mais amplo do que apenas ensinar as disciplinas tradicionais. O problema, como argumenta em recente estudo o economista da Universidade de Chicago James Heckman, ganhador do prêmio Nobel em 2000, é que os instrumentos que hoje utilizamos para avaliar a qualidade do ensino medem justamente apenas essa dimensão: o desempenho em testes de leitura, matemática e outras disciplinas. Para Heckman, esses exames não conseguem medir habilidades que estudos acadêmicos têm provado que são tão ou mais importantes para explicar o sucesso na vida adulta quanto a nota em testes.

São, principalmente, traços da personalidade, como a capacidade de persistir na busca de objetivos, superando fracassos e obstáculos; saber se relacionar e trabalhar bem em grupo; ter responsabilidade e saber se organizar para concluir tarefas; além de ter controle das próprias emoções, de modo a manter o otimismo, a calma, a confiança e a motivação, mesmo em situações adversas.

A constatação de que esses traços de personalidade são importantes não chega a ser surpreendente.

O que há de novo nos debates educacionais é que essas habilidades, que muitos acreditavam ser inatas, podem ser ensinadas e avaliadas em sala de aula. A grande questão, para a qual ainda não há consenso, é como fazer isso.

Um dos projetos mais bem-sucedidos nesse sentido foi bastante estudado pela equipe de Heckman. Foi o projeto pré-escolar Perry, implementado na década de 60 no estado americano de Michigan. Destinado a crianças de baixa renda de 3 a 5 anos, o programa oferecia, além de um atendimento escolar de qualidade, suporte para que os pais soubessem como interagir melhor com seus filhos, de modo a desenvolver outras habilidades nas crianças.

Os primeiros resultados do programa foram decepcionantes. Aos 10 anos de idade, testes de QI indicavam que as crianças que haviam participado do projeto e as que não tiveram essa oportunidade apresentavam desenvolvimento cognitivo praticamente igual. Como os alunos continuaram sendo acompanhados ao longo da vida adulta, os pesquisadores descobriram mais tarde que, mesmo não tendo notas melhores em testes tradicionais, jovens e adultos que participaram da experiência apresentavam maiores percentuais de conclusão no ensino superior e menores taxas de desemprego, gravidez precoce e envolvimento em crimes.

SEMINÁRIO DEBATE O TEMA EM SP

Heckman e outros pesquisadores de ponta, além de gestores e ministros da Educação de 14 países, estão hoje em São Paulo debatendo o desenvolvimento dessas habilidades no seminário "Educar para as competências do século 21", organizado pela Instituto Ayrton Senna, MEC e OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

No encontro, será divulgada uma pesquisa feita com alunos da rede estadual do Rio, que mostra que os jovens que apresentavam algumas dessas características têm, em média, notas melhores em português e matemática. Mais importante do que isso, o estudo revela que, ao contrário do desempenho medido em testes de disciplinas tradicionais, essas habilidades socioemocionais são pouco afetadas pelo nível de pobreza e escolaridade das famílias.

No caso do aprendizado formal - medido em testes de português, matemática e outras disciplinas tradicionais -, desde a década de 60, quando o sociólogo norte-americano James Coleman publicou um famoso relatório sobre os determinantes do desempenho escolar, vários estudos têm comprovado que o baixo nível de renda e escolaridade dos pais afeta negativamente o desempenho dos filhos na escola. Um pai ou uma mãe que não completou o Ensino Fundamental, por exemplo, tem mais dificuldade para ajudar os filhos em lições escolares, por exemplo.

No caso das competências socioemocionais, o estudo que será apresentado hoje indica que há um caminho a trabalhar com essas crianças e pais de baixa renda para que elas, desenvolvendo essas habilidades, consigam melhores notas na escola, sem contar os ganhos que surgirão no futuro, na vida adulta, como demonstram os estudos sobre o tema.

Apesar do entusiasmo de diversos educadores, pesquisadores e gestores com o tema, até o momento, as experiências que se mostraram bem-sucedidas no desenvolvimento dessas habilidades pelas escolas foram implementadas em pequena escala, com professores talentosos ou muito bem orientados por especialistas, como o caso do projeto pré-escolar Perry. Ainda não há programa implementado em massa que já tenha passado por avaliação rigorosa e provado que pode funcionar em várias escolas, com diferentes realidades.

No Brasil, um dos projetos pilotos que buscam ajudar escolas a desenvolver essas habilidades nas crianças acontece no Colégio Estadual Chico Anysio, na Tijuca. Ainda não há avaliação sobre o impacto específico do programa, mas o secretário estadual de Educação, Wilson Risolia, destaca que o colégio tem apresentado Ideb (indicador oficial da qualidade do ensino) superior à média da rede.

Risolia lembra, no entanto, um detalhe importante da escola: ela funciona em tempo integral, realidade de apenas 4% dos estabelecimentos de ensino médio do país (no nível fundamental, são 12%). A carga horária da imensa maioria das escolas brasileiras, portanto, é de apenas quatro horas diárias.

"Se tenho 13 matérias para serem ensinadas em quatro horas, como posso trabalhar projetos de vida nesse contexto", indaga o secretário.

No Rio, Risolia afirma que o modelo de trabalho das habilidades socioemocionais no colégio Chico Anysio será expandido gradativamente, para cinco escolas neste ano, e 50 no ano que vem. Ao mesmo tempo, a meta do Estado é universalizar até 2022 as escolas em tempo integral.

Para ele, no entanto, é preciso que haja uma diretriz nacional para transformar o ensino dessas habilidades socioemocionais numa política de estado. Sem isso, afirma, o investimento ficará sempre sujeito à mudanças na gestão da educação pública em cada cidade ou estado.

'Programas precisam ser expandidos'

Corpo a corpo

Paul Tough

Evidências que mostram a importância de se trabalhar outras competências em sala de aula são o tema do livro que será lançado amanhã no Brasil pelo jornalista americano

l Os projetos bem-sucedidos, até o momento, funcionaram em pequena escala. É possível ter uma política pública aplicável a várias escolas ao mesmo tempo, com realidades distintas? De fato, ainda não tenho conhecimento de projetos já avaliados que ensinam habilidades não cognitivas em grande escala.

Os pesquisadores que citei em meu livro (Uma questão de caráter) concordam que os projetos ainda estão em estágio inicial de entender como essas habilidades são desenvolvidas pelas crianças.

Há experiências promissoras, como o projeto OneGoal [baseado em Chicago, com o objetivo de aumentar as taxas de conclusão de jovens de baixa renda no ensino superior], mas elas ainda não foram devidamente avaliadas. O que me parece sólido é que temos evidências de que essas habilidades são mais bem trabalhadas desde cedo, em projetos destinados à primeira infância, com uma preocupação importante de ajudar os pais a cuidarem melhor de seus filhos, de modo a diminuir o estresse nos primeiros anos de vida, que tem se mostrado danoso ao desenvolvimento de habilidades como o controle das emoções.

Esses programas precisam ser expandidos. Mas o fato é que ainda estamos aprendendo como sistematizar e replicar essas experiências bem-sucedidas.

l Em escolas que já não trabalham bem com as competências tradicionais, qual o sentido de incluir uma nova tarefa? Ensinar matemática, leitura, ou outras disciplinas tradicionais é certamente um objetivo fundamental da escola, e há muito o que podemos fazer para melhorar o aprendizado nessas áreas. Mas, se avançarmos na maneira como ensinamos habilidades não cognitivas - melhorando a habilidade dos estudantes para persistir em tarefas difíceis, controlar seus impulsos, focar na resolução de um problema sem perder o foco ou ficar frustrado, superar obstáculos -, estaremos facilitando, e não dificultando, que esses estudantes tenham melhor desempenho em disciplinas tradicionais como matemática ou leitura.

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