9 de fevereiro de 2014

Violencia y Juventude: 'Vivemos numa sociedade nazista', afirma educadora


Yvonne Bezerra passou a ser ameaçada após ajudar jovem preso a poste
Dirigente de ONG de apoio a criança carente afirma que faria tudo de novo e que agiu de forma 'humanitária'
BRUNO CALIXTOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO, 9/2/2014
A educadora Yvonne Bezerra de Mello preparava-se para dormir quando o porteiro a avisou de que havia um jovem acorrentado a um poste em sua rua.
Ela foi até lá, chamou os bombeiros e, possivelmente, salvou a vida do adolescente. Postou a foto do menor em uma rede social e a partir daí passou a sofrer ameaças e a ser xingada.
Yvonne tem ligação antiga com a defesa dos direitos de menores carentes: em 1993, foi a ela que os sobreviventes da chacina da Candelária procuraram para contar o que havia acontecido.
Folha - A sra. tem sido criticada por ter ajudado o adolescente que foi agredido. A sra. se arrepende?
Yvonne Bezerra de Mello - Foi uma ação humanitária, poderia ter sido feita por qualquer pessoa. Chamei as autoridades e encaminhei o menino, só isso. No dia seguinte, a culpada pelos males do Brasil era eu. Mas de maneira nenhuma me arrependo. Faria tudo de novo.
Que tipo de ameaças recebeu?
Por rede social, email, telefone, tudo. Fui xingada de tudo o que é nome, me acusaram de educar bandido. É um choque saber que vivemos em uma sociedade nazista, fascista.
A sra. pertence à classe alta. Sofre preconceito por trabalhar com crianças carentes?
Sou uma mulher privilegiada. Tenho casa, emprego e tudo o que quero. E por causa do meu trabalho, sim, sofro preconceito. Não nasci rica, fui criada por uma mãe sozinha, sem pai, e sofri na pele por isso.
Incomoda ser chamada de a mulher que ajuda bandidos'?
Incomoda pensar que eu moro em um país onde as pessoas que têm educação possam achar isso.
Como soube que o adolescente estava acorrentado?
O porteiro do meu prédio me interfonou quando eu já estava pronta para dormir. Fui imediatamente. Sou chamada várias vezes e não me importa onde é, eu vou. É igual ao médico quando chamado a salvar uma vida. Tem que ir.

Adolescente que foi amarrado nu a poste teme sair de abrigo
Expulso de casa por um grupo de milicianos, ele foi morar na rua com amigos e passou a cometer delitos
Acorrentado pelo pescoço, garoto foi socorrido por dirigente de ONG que trabalha com crianças carentes
DO RIO
No início do ano, o adolescente alto e magro, de 15 anos, foi pego depois de furtar um celular em uma das ruas do Flamengo, bairro da zona sul carioca, e levado mais uma vez para o Juizado de Menores. Era a sua segunda apreensão.
Poucas semanas depois, foi pego por um grupo de motoqueiros que circula pelo bairro, segundo o depoimento dele à polícia.
Foi espancado, teve as roupas arrancadas e ficou nu, sentado na calçada e preso a um poste pelo pescoço, com uma corrente de bicicleta.
"Quando olhei a cena, vi um quadro de [Jean Baptiste] Debret. Lembrei daqueles negros no pau de arara, amarrados no tronco para serem castigados a pauladas", disse a educadora Yvonne Bezerra de Mello, a primeira a socorrer o adolescente.
A imagem teve grande repercussão e suscitou debates sobre direitos humanos.
Yvonne tem longa história de defesa dos direitos de crianças e adolescentes carentes. Logo após a chacina da Candelária, em 1993, foi a ela que os sobreviventes procuraram buscando socorro.
Fundadora da ONG Uerê, trabalha com menores com dificuldade de aprendizado na favela da Maré.
MILICIANOS
Meses antes da cena que à Yvonne lembrou Debret, o adolescente fora expulso de casa, não por uma família que não soubesse mais o que fazer para controlar seus delitos, mas por um grupo de milicianos que controla a região onde ele vivia, na zona oeste do Rio.
Ele era suspeito de ter furtado a furadeira de um vizinho. A lei própria dos milicianos determinou que ele deixasse a área. Se não saísse, poderia ter fim pior.
Deixou para trás a mãe e dois irmãos e passou a viver nas ruas da zona sul carioca com novos amigos.
De vez em quando, recolhia-se a um abrigo da prefeitura. Gostava de conversar com uma assistente social, em quem passou a confiar.
Foi a ela que o jovem procurou quando fugiu do hospital para onde foi levado, na noite de sexta (31).
Na madrugada do dia seguinte, chegou ao abrigo. Machucado, não quis contar para ninguém o que tinha acontecido com ele.
Esperou até segunda-feira, quando a assistente voltou ao trabalho. Relatou a história dos 30 motoqueiros, todos jovens, brancos, bem vestidos e fortes que o espancaram.
A história do adolescente fez surgir histórias de que um grupo estaria "policiando" por conta própria as ruas do bairro. O caso está sendo investigado pela polícia.
Três dias depois da agressão ao adolescente, 14 moradores do bairro foram detidos sob suspeita de estarem fazendo ameaças a pessoas que vivem na rua.
Nenhum deles foi reconhecido pelo garoto, que agora tem medo de sair do abrigo onde vive provisoriamente.

Não foi nenhum coitadinho preso ali'
Estudante quer mais polícia e segurança
LUCAS VETTORAZZODO RIO
O estudante de Recursos Humanos Angelo Castilho, 29, morador do Flamengo criou a página no Facebook "Reage Flamengo! Queremos nosso bairro de volta".
Nas redes sociais, ele disse ter compreendido a atitude dos chamados "justiceiros" que acorrentaram o menor a um poste.
Folha - Você conhece ou faz parte do grupo "justiceiros"?
Angelo Castilho - Não conheço nem faço parte.
O que achou do que fizeram com o adolescente?
Esse moleque tem passagem por lesão corporal e assalto a mão armada. Quando pegaram ele, muita gente falou bem feito'. Entendo a revolta. Aos olhos da lei foi errado, mas não foi nenhum coitadinho que estava preso ali. Enfureço vendo gente que defende pessoas que esfaqueiam idosos, que batem em mulheres para assaltar.
Você já interveio para impedir algum assalto no bairro?
Já vi mulher correndo com a mão ensanguentada porque tinham tentado esfaquear ela. Já vi moradores de rua sendo espancados por cracudo [usuários de crack]. Nesse dia do mendigo espancado eu comprei o barulho mesmo. Eu e meus amigos da academia seguramos ele e chamamos a polícia, que levou o cara. Dois dias depois ele estava na rua de novo. Ficam dizendo que é racismo, mas esse pessoal da Yvonne só se preocupa com morador de rua que assalta. O morador que apanhou ninguém veio ajudar.
Como surgiu o movimento "Reage Flamengo"?
Criei a página para quem está revoltado. A gente defende mais policiamento ostensivo no bairro e que as pessoas tenham direito de se defender. A gente só quer as coisas funcionando.
Você é de direita?
Sou de direita. Sou contra o aborto e defendo o direito das pessoas portarem armas, como nos EUA, mas sou a favor do casamento civil gay, não o religioso.

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