28 de janeiro de 2014

Onda incendiária


Atos de vandalismo não podem ser tolerados, mas são inaceitáveis despreparo e excessos da polícia ao lidar com manifestações populares
A depredação de patrimônio público ou privado, a título de protesto contra os mais variados problemas, tem se transformado numa perigosa e inaceitável rotina no cotidiano nacional.
Se o direito de manifestação e de reunião é assegurado pela Constituição, nem por isso pode ser exercido de maneira irrestrita. Os atos devem ser pacíficos e, como é óbvio e desnecessário dizer, seus participantes não são autorizados a praticar crimes de nenhuma natureza.
Alguns manifestantes, todavia, parecem se esquecer das regras básicas de civilidade. Neste sábado, em São Paulo, um Fusca foi incendiado e terminou destruído. Ainda que o episódio tenha sido acidental, como se afirma, por pouco não resultou em tragédia, já que cinco pessoas estavam no automóvel.
A piromania, porém, não é nova. Propaga-se, na periferia paulistana, uma onda de incêndios de ônibus municipais. Até sexta-feira, 21 veículos haviam sido queimados neste mês. O número equivale ao total de casos registrados no primeiro semestre de 2013.
Os ataques se dão em meio a protestos relativos a temas diversos, de enchentes ao desaparecimento de crianças. Os principais prejudicados, além das empresas de ônibus, são os usuários de transporte público, pois perdas e substituições elevam o custo do sistema.
Estima-se que o prejuízo já alcance R$ 8,5 milhões neste ano. Apesar da recorrência do fenômeno, pouco se caminhou no sentido de identificar os responsáveis e submetê-los aos ritos legais.
A Secretaria da Segurança Pública organizou, no final de 2013, reuniões com representantes do setor de transportes, mas ainda não se sabe quais serão as providências. É evidente que tais agressões não cessarão sem que as autoridades tomem as medidas necessárias para reprimi-las.
As polícias, por seu turno, têm notórias dificuldades para lidar com os protestos que se disseminam pelo país. Como esta Folha vem reiterando desde o ano passado, a corporação oscila entre o abuso da força e a omissão diante dos vândalos, dois extremos incompatíveis com sua missão.
Neste sábado, em São Paulo, um policial baleou um manifestante, que está internado num hospital. Mesmo que em alegada legítima defesa, a reação parece desproporcional. O caso está por ser esclarecido, mas o uso de arma de fogo, de todo modo, não é recomendável na patrulha de atos públicos.
Nenhuma hipótese, contudo, isenta a polícia, enquanto instituição, de merecidas críticas em relação ao despreparo que tem demonstrado nessas ocasiões, bem como à truculência com que age.
É urgente mudar esse padrão. A polícia tem de coibir atos de vandalismo incompatíveis com o convívio democrático, mas não pode reproduzir excessos que busca repelir. Os episódios de sábado são um perigoso sinal de alerta.
Folha de S.Paulo, 28/1/2014

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