21 de janeiro de 2014

HÉLIO SCHWARTSMAN: Liberdade, igualdade, rolezinhos


SÃO PAULO - O interessante nesse debate sobre os rolezinhos é que ele revela na prática os limites teóricos sobre os quais nossa sociedade tenta equilibrar-se --e muito precariamente, diga-se de passagem.
Não vemos mendigos e crackeiros dentro de shoppings. Eles não deixam de frequentar esses estabelecimentos porque não apreciem um ar condicionadozinho em tardes de calor, mas simplesmente porque os seguranças não os deixam entrar. Se o fizerem, são logo postos para fora. E ninguém reclama, porque os shoppings são estabelecimentos privados. Têm liberdade para criar algumas regras restritivas em relação a sua utilização. É bastante razoável que seja assim. Se o shopping fosse um espaço indistinguível do de ruas e praças, nenhum lojista pagaria mais para instalar-se ali.
Isso, porém, é só metade da história. Vivemos num estágio de civilização em que já não se admitem mais algumas modalidades de discriminação racial e social. É verdade que ninguém advoga pelo direito de mendigos frequentarem shoppings, mas revolta-nos pensar que pessoas sejam impedidas de entrar num deles apenas em virtude da cor de sua pele ou de seus rendimentos. Exigimos certa igualdade jurídica entre cidadãos.
Nesse contexto, são absurdas as liminares que pretendem proibir a realização de rolezinhos. É possível e desejável deter alguém que cometa um furto ou até que incorra numa das várias contravenções penais referentes à paz pública, mas não dá para impedir um conjunto indeterminado de pessoas de estar num lugar que é em princípio aberto ao público.
A moral da história é que liberdade e igualdade, embora tenham inspirado a Revolução Francesa, são princípios incongruentes. Se os agentes são livres para buscar seus interesses, alguns acumularão mais bens do que outros e darão tratamento privilegiado a seus familiares, amigos e clientes, o que mina, na teoria e na prática, a ideia de igualdade.
Folha de S.Paulo, 21/1/2014

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