20 de outubro de 2013

JANIO DE FREITAS , Debates que se perdem

Todos os que defendem a exigência de autorização aos biógrafos dizem não estar defendendo a censura. Mas censura é isso

REAÇÃO DE última hora, e exacerbada, contra o leilão da área de Libra no pré-sal vem de uma aberração brasileira que encontra, neste episódio, o papel de exemplo perfeito. Tanto de si mesma, como do seu agravamento ameaçador.
Protesto é sempre cabível: assim caminha o regime democrático para o seu aprimoramento, aos solavancos das reafirmações e das reconsiderações. Mas a hora dos atuais protestos contra o leilão de Libra era lá atrás, quando o governo Lula projetou o modelo de exploração do pré-sal por petrolíferas privadas, com associação minoritária do Estado brasileiro.
A causa do protesto era e é perfeitamente defensável em nome de múltiplas razões nacionais. O seu confronto com os interesses empresariais, alheios às questões nacionais, por certo seria proveitoso em muitos sentidos. Não ocorreu, porém. Não pôde haver mais do que manifestações anêmicas. Por quê?
Só para lembrar um caso a mais, na mesma linha: dá-se igual com a multibilionária Copa, já presente em protestos públicos e promessa de reações maiores na hora final. Por que a reação não se deu quando podia suscitar alguma reflexão sobre o ímpeto, pouco ou nada responsável, com que Lula buscava essa inutilidade esbanjadora?
É a falta de partidos representativos. Os segmentos da sociedade estão órfãos, entregues a si mesmos. Ou, no máximo, a associações que até podem ter representatividade, mas solta no espaço, sem a necessária extensão na arena adequada que seria o Congresso.
Aos partidos compete serem as vozes da sociedade, organizá-las para serem forças, opô-las para chegar à composição de posições ou à prevalência de um lado. Mas não há partidos: são organizações comerciais, todos interessados em manter o afortunado poder ou em tomá-lo.
A aberração arrasadora e crescente. O que equivale a dizer que assim são os seus efeitos. Até quando e até onde, cada um de nós que imagine.
OUTRO NÃO DEBATE
A polêmica das biografias degringola depressa para o gaiato. Chico Buarque escreve contra a hipótese de difamação em livro praticando horrível difamação de um escrito. No mais, só deu fora: mal informado, os outros exemplos que cita como comprovações de sua opinião são inverdadeiros, e comprovam a tese contrária à sua.
No retorno, Chico Buarque engrossou: "Se for levar isso ao extremo [o direito de escrever biografia sem depender de autorização do biografado ou de parentes], o sujeito é obrigado a deixar invadir sua casa, fazerem fotografia de cueca, exporem sua mulher em trajes mínimos, sem poder recorrer". São mesmos os riscos e a tendência que uma pessoa séria vê?
O compositor, cantor e escritor Jorge Mautner compara os biógrafos com agentes da KGB, a polícia política de Stálin, personagens do que ele disse ser uma piada em que disputam quem mais inventaria para prender duas turistas inocentes. Exposta a comparação, a graça Mautner guardou para si. Um outro, jornalista cultural, encontra "situação análoga" entre a defesa de censura a biografias e a defesa de diploma universitário para jornalistas.
E todos os que defendem a exigência de autorização aos biógrafos dizem não estar defendendo censura. Querem o predomínio, sobre a liberdade constitucional de expressão e informação, dos artigos do Código Civil que permitem impedir biografias contrárias à honra ou à imagem. Para sabê-lo, porém, só lendo a biografia antes, para aceitá-la ou vetar a publicação. E censura é precisamente isso, nem mais nem menos.
Os defensores da biografia necessariamente autorizada estão pondo todos os biógrafos no papel de difamadores potenciais, quando não contumazes. Os biógrafos já podem processá-los criminalmente por calúnia, injúria e difamação. E cobrar em indenizações, já que os acusadores falam também em dinheiro, o que as biografias não lhes rendem.
Folha de S.Paulo, 20/10/2013

Projeto que elimina autorização deve avançar na Câmara
Presidente da Casa defende retomada da discussão da proposta, parada desde abril
MÁRCIO FALCÃODE BRASÍLIAO presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), defendeu ontem que a Casa retome a discussão do projeto de lei que libera a divulgação de filmes ou publicação de livros biográficos sem autorização da pessoa retratada ou de sua família.
Desde abril, a proposta está parada na Câmara. Na época, o texto foi aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Constituição e Justiça e seguiria para o Senado, mas um recurso do deputado Marcos Rogério (PDT-RO), com apoio de mais de 70 congressistas, levou a discussão para o plenário da Câmara.
Eduardo Alves disse que Newton Lima (PT-SP), autor do projeto, indicou que deve fazer um apelo na reunião de líderes na terça-feira. Segundo o peemedebista, se houver consenso, o texto pode ser analisado com urgência.
O deputado afirmou à Folha que o plenário é o campo apropriado para a discussão. "O tema ganhou uma importância nacional nos últimos dias, e a Casa precisa estar atenta a essa questão."
O debate foi reaceso após Chico Buarque e Caetano Veloso, do grupo Procure Saber, --integrado também por Roberto Carlos, Milton Nascimento, Djavan, Gilberto Gil, Erasmo Carlos e a empresária Paula Lavigne--, terem saído em defesa da necessidade de autorização prévia.
O presidente da Câmara diz não ter posição definida, mas que é preciso encontrar equilíbrio entre liberdade de expressão e privacidade.
A proposta que pode ser analisada pela Câmara pretende alterar os artigos 20 e 21 do Código Civil. Corre também no Supremo Tribunal Federal uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade), proposta por editores de livros, que contesta os artigos. O argumento é que a restrição fere o princípio da liberdade de expressão.

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