1 de setembro de 2013

HÉLIO SCHWARTSMAN As contas que não fazemos


SÃO PAULO - Prevenir fraudes é essencial, certo? Outros deveres inalienáveis do poder público são zelar pela criação de postos de trabalho e assegurar que as novas drogas que chegam ao mercado sejam sempre seguras, para nomear apenas alguns. Não tenho dúvida de que essas tarefas sejam importantes. Mas será que as endossamos após criteriosa avaliação de tudo o que está em jogo ou apenas nos deixamos levar pela nobreza dos objetivos?
Juan Enríquez, acadêmico que atua na fronteira entre a bioengenharia e os negócios, dá uma boa ideia do que podemos estar perdendo ao analisar o papel da FDA, a agência de regulação de remédios dos EUA.
A FDA se notabiliza por ser bastante detalhista ao exigir que laboratórios demonstrem a segurança de seus produtos. Há quem diga que, se o sal de cozinha fosse apresentado à agência como uma especialidade farmacêutica, ele seria proibido, já que é tóxico em altas doses.
Há uma lógica robusta por trás da cautela. Ela visa a diminuir a probabilidade de drogas com sérios efeitos colaterais serem despejadas no mercado, como ocorreu com a talidomida no final dos anos 50. Só que, ao fazê-lo, ela também impede ou ao menos atrasa a chegada de medicamentos que poderiam salvar vidas. Nós visualizamos bem a primeira parte do problema, mas raramente fazemos as contas relativas à segunda.
Um exemplo de Enríquez: um atraso de sete anos na introdução de betabloqueadores, remédios usados para reduzir a pressão arterial, teria custado 100 mil vidas aos EUA.
É claro que devemos preservar empregos, mas será que manter funções obsoletas como a de cobradores e frentistas não reduz excessivamente a produtividade da cadeia?
Poucos são contra evitar fraudes, mas será que não estamos indo longe demais ao exigir que os 99,9% que assinam papéis de boa-fé tenham de deixar tempo e dinheiro nos cartórios para reconhecimentos de firma?
Folha de S.Paulo, 1/9/2013

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