3 de setembro de 2013

Empatia com o sertanejo para enfrentar a seca

Correio Braziliense, 3/9/2013



» MANUEL OTERO   Representante do Instituto Interamericano 
de Cooperação para a Agricultura (IICA)

Ainda que eclipsada no noticiário em geral, a seca na Região Nordeste continua a castigar a população e exige ações emergenciais e políticas para médio e longo prazos. Trata-se da pior seca dos últimos 50 anos e não se vislumbra no horizonte qualquer sinal de arrefecimento. Para citar apenas um exemplo, dos 184 municípios do Ceará, 178 se encontravam em situação de emergência até o início de agosto.

A situação se extrapola para todo o semiárido. A região coincide com grande parte das áreas susceptíveis à desertificação (ASD) no país, onde está um terço dos municípios brasileiros. Mais grave ainda é a constatação de que vivem nessas condições 20% da população e 85% dos cidadãos brasileiros abaixo da linha de pobreza. Um foco importante para as políticas sociais da presidente Dilma Rousseff, que pretende tirar da pobreza mais de 16 milhões de pessoas em todo o país.

Note-se que, ao contrário do que ocorreu em décadas passadas, a seca atual não levou a população aos saques ou a outras medidas desesperadas. Esse cenário resulta de uma série de políticas públicas sustentadas combinadas a ações emergenciais. Medidas de proteção social, como o Bolsa Família, que completará 10 anos em 2014, têm fortalecido a paz social na região, ao transferir renda aos realmente mais necessitados. Outra contribuição tem sido fornecida por medidas estruturantes, como a instalação de cisternas para consumo familiar e para a pequena produção agrícola, e por ações emergenciais, como a distribuição de água por caminhões-pipa, perfuração e recuperação de poços.
No entanto, a estabilidade social de hoje não pode representar uma zona de conforto, com a sensação de que os problemas estão satisfatoriamente solucionados e que todos já cumpriram seu papel. Sem dúvida alguma, o Brasil avançou na capacidade de atenuar os impactos negativos da seca na vida das pessoas e gerar alternativas de trabalho e renda na região. Mas é chegada a hora de se avançar mais.

Se a chuva depende de condições que não podemos gerenciar, melhorar o convívio com a escassez de precipitações é algo factível. Muitas das soluções podem inclusive ser encontradas em experiências das próprias populações atingidas pelas secas. É o caso de empoderá-las e promovê-las a protagonistas da própria história e transformar os conhecimentos que estão implícitos no sertão em sabedoria explícita que melhore a vida na região.
A chave é romper com o círculo vicioso da pobreza que gera mais pobreza por meio de políticas que promovam o desenvolvimento local. Já existem experiências em curso no Brasil. No semiárido baiano, um projeto fortalece e dissemina conhecimentos, experiências, inovações e boas práticas para o desenvolvimento e a melhoria de qualidade de vida da população rural. 
Entre as atividades desenvolvidas, estão a sistematização de conhecimentos e boas práticas e a construção de um banco de saberes para o desenvolvimento de tecnologias e práticas inovadoras, promoção de seminários e oficinas temáticas, visitas de intercâmbio, estágios individuais de aprendizagem e feiras de saberes. Um dos fatores de destaque do projeto são os enfoques de gênero e a integração da juventude das áreas rurais aos processos produtivos, que fornecem senso de futuro às ações.
Outra iniciativa envolve o apoio a iniciativas locais de combate à desertificação. Um dos resultados do trabalho desse consórcio é a seleção de diversos projetos locais, de preferência desenvolvidos comunitariamente, para posterior disseminação das boas práticas que promovem a qualidade de vida por meio do protagonismo dos cidadãos. A mais recente edição do projeto mostra, por exemplo, como a educação e a valorização da experiência de jovens quilombolas na região maranhense do Baixo Parnaíba podem beneficiar o meio ambiente de onde tiram o sustento. Outra iniciativa selecionada promove o associativismo rural e a agroecologia em Pernambuco e levou os próprios agricultores a revalorizarem seu espaço produtivo e os produtos sem agrotóxicos que cultivam.
Ao se trabalhar de forma profundamente democrática, renunciando-se a pouco eficientes abordagens de cima para baixo dos problemas, é possível vencer desafios que o semiárido impõe. A saída é criar empatia com o sertanejo, aumentar a autoestima dos atores sociais, dar-lhes mais protagonismo na execução das políticas públicas, criar rotas de aprendizagem que resgatem suas experiências e sistematizem suas boas práticas de convivência com o ambiente.


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