29 de março de 2013

Feliciano: A volta do 'teje preso'



29 de março de 2013 | 2h 08
O Estado de S.Paulo
O deputado pastor Marco Feliciano (PSC-SP) passou dos limites ao ordenar que a Polícia Legislativa prendesse um manifestante que questionava sua presença na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara. O velho recurso ao "teje preso" contra uma pessoa que apenas externou sua opinião, por mais polêmica que fosse, é um comportamento inadmissível para alguém que representa cidadãos no Parlamento. Mas o deputado acha que "democracia é isso".
Feliciano está no centro de uma enorme polêmica desde que foi escolhido para presidir a CDHM, no começo de março. Diversas entidades de defesa dos homossexuais e dos negros, além de artistas e intelectuais, deflagraram um movimento de protesto contra a indicação, acusando o deputado de racismo e homofobia. Até a Anistia Internacional se pronunciou, dizendo esperar que o Congresso reconheça "o grave equívoco".
Por meio de sua conta no Twitter, Feliciano, que é dono de uma igreja evangélica, havia se manifestado contra o casamento gay, dizendo que "a podridão dos sentimentos dos homoafetivos (sic) leva ao ódio, ao crime, à rejeição". Em razão disso, foi denunciado no Supremo Tribunal Federal pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, sob a acusação de homofobia, que se enquadra na categoria de crime de ódio. Também pelo Twitter, Feliciano disse que "os africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé". A exegese rastaquera foi suficiente para que o pastor fosse acusado de racismo, embora sua mãe seja mulata e seu padrasto, negro. Para completar, Feliciano criticou quem "estimula a mulher a ter os mesmos direitos do homem", porque, segundo seu raciocínio, isso leva as mulheres à homossexualidade.
Pode-se argumentar que os envolvidos no barulhento movimento contra Feliciano deveriam gastar a mesma energia para atacar a presença de dois deputados mensaleiros, José Genoino (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP), na Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da Câmara. Até o "chefe da quadrilha", o ex-deputado José Dirceu, animou-se, em seu blog, a pedir "boicote" às sessões da CDHM enquanto o pastor a presidir, porque sua permanência é "inaceitável". Pode-se dizer ainda que os manifestantes também têm agido com truculência, ao tentar impedir, na base do grito, que as sessões da comissão se realizem. Nada disso, porém, deslegitima o mal-estar óbvio que se criou com a indicação de Feliciano - que, de resto, resultou de um dos tantos acordos tortuosos da base governista, neste caso para agradar à bancada evangélica.
O fato é que a indicação de Feliciano à CDHM obviamente não foi "adequada", como disse Gurgel, tomando o cuidado de salientar que se trata de uma questão interna do Congresso. No entanto, quando a Polícia Legislativa é acionada por um parlamentar para prender alguém que lhe fez uma acusação, ainda que infundada ou ofensiva, transita-se daquilo que é mero choque de opiniões para o perigoso terreno da arbitrariedade. A Polícia Legislativa, cuja função é manter a ordem nas dependências da Câmara, pode, sim, efetuar prisões em flagrante, mas jamais ao atropelo das garantias constitucionais, entre as quais se situa, de modo destacado, o direito à livre manifestação. Se o pastor queria sossego para exercer seu trabalho, poderia ter simplesmente mandado fechar as portas da sala. Além disso, se ele se sentiu agredido pelo que disse o ativista, bastava processá-lo.
Alvo de pressão de todos os lados, Feliciano disse que não deixará seu cargo na comissão "de jeito nenhum" e ganhou respaldo de seu partido - disposto, claro, a ganhar alguma coisa para mudar de ideia. O cálculo do deputado é meramente político, porque ele lucra com a visibilidade obtida graças à polêmica e não deverá perder um único voto por causa de suas posições - antes ao contrário, pois agora ele encarna o defensor dos princípios evangélicos contra aquilo que chamou de "ditadura gay". Ademais, ele se apresenta como "democrático" ante a truculência de seus críticos, embora sua vocação autoritária tenha sido plenamente comprovada.

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