28 de janeiro de 2013

Vargas Llosa faz crítica pesada ao mercado cultural



Em festival literário em Cartagena, Nobel de Literatura critica 'entretenimento barato' e 'palhaçada nas artes'
Escritor peruano foi celebrado como rei na cidade-emblema da vida e obra do ex-amigo Gabriel García Márquez
CASSIANO ELEK MACHADOENVIADA ESPECIAL A CARTAGENA, Folha de SPaulo,28/1/2013
Gigante de pedra, o Centro de Convenções de Cartagena, numa península na saída da cidade histórica, estava tão cheio pouco antes da conferência de Mario Vargas Llosa que parecia que ia afundar.
Uma hora antes da palestra, atração maior do Hay Festival Cartagena 2013, a fila se estendia até uma enorme escultura de dois pescadores, do outro lado da rua.
O escritor peruano tem seu sorriso reproduzido em painéis eletrônicos, cartazes e leques que sua editora distribuiu para combater os 34°C do noroeste colombiano.
As portas do auditório Getsemaní são abertas e, com um senso de urgência Fla-Flu, o público toma suas mais de 1.400 poltronas púrpuras. Mario, como todos se referem a ele, ainda vai demorar a falar.
Antes há o senhor de gravata roxa falando sobre saídas de emergência (são seis), a lânguida mestre de cerimônia anunciando em tom cartorial que o Governo do Estado de Bolívar considera "o maestro Mario um dos grandes escritores da história". E depois o governador (aplaudido) e o prefeito (vaiadíssimo).
Em Vargas Llosa penduraram uma faixa como a de presidentes empossados e afivelaram uma comenda. Deram-lhe o título de Hóspede de Honra e as chaves da cidade, além de três diplomas em pergaminho. Há um novo rei nessa cidade-emblema da vida e obra do ex-amigo de Mario, don Gabriel García Márquez.
Quando por fim ouvimos a voz encorpada do autor, ela traz velhas lembranças do Colégio Militar Leoncio Prado, em Lima. Não à toa. Nessas vivências forjou seu primeiro romance, "A Cidade e os Cachorros", do qual hoje se celebram (bastante) os 50 anos.
"A literatura me levou ao colégio militar e o colégio militar me levou à literatura", sentencia o bom frasista Vargas Llosa, 76, acrescentando que, assustado com as veleidades poéticas pouco viris do filho, seu pai decidiu interná-lo ali para que "se curasse".
"A estratégia deu errado. Nunca escrevi tanto como no colégio militar. Nunca li tanto. E ler foi a coisa mais importante que aprendi."
Já nessa época, descobriu três autores-bússola para sua ficção: Flaubert, com a busca incansável pela palavra exata; Faulkner, que lhe apontou como manipular vozes narrativas; e Sartre, que lhe mostrou como as palavras promovem transformações.
TRANSFORMAÇÕES
Sobre elas, as transformações, o escritor se ocupou na segunda parte da conferencia.
Vargas Llosa não anda contente com as mudanças. Em seu recente "A Civilização do Espetáculo" (a ser lançado neste ano no Brasil pela Alfaguara), trata do processo da "frivolização da cultura".
"Nas artes, a palhaçada chegou a termos grotescos, a ponto de museus importantes pagarem centenas de milhões por um tubarão no formol", sentencia, raivosamente.
A julgar pela fala de Vargas Llosa, o que parece faltar na cultura é justamente formol.
"Nada gera conformismo como o entretenimento barato. Podem dizer que a cultura se democratizou, que deixou de ser elitista, mas é um processo que gera conformismo." Este processo, diz ele, influencia até o sexo.
"A civilização e a cultura refinaram o ato sexual, lhe revestiram de uma teatralidade. O erotismo é a desanimalização do sexo. Com o desaparecimento de uma certa cultura, degrada-se o erotismo. Estamos nos animalizando."
Antes de concluir, don Mario diz que terminou há pouco um romance: se chamará "O Herói Discreto" e se passará no Peru contemporâneo. "Oxalá este sobreviva 50 anos, como 'A Cidade e os Cachorros'", concluiu o rei do Hay, para então colher minutos ininterruptos de aplausos.

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