28 de julho de 2012

Emergente tardio, por Cristovam Buarque


O Globo, 28/7/2012

O surgimento dos chamados países emergentes é um dos fenômenos da geopolítica mundial neste começo de século. Até pouco tempo, os países eram divididos em Primeiro, Segundo ou Terceiro Mundo. Depois da queda do Muro de Berlim, o conceito de Segundo Mundo ficou superado. Agora, um grupo de países passa a integrar um bloco diferente, chamado de emergentes.

Não faz parte do Primeiro Mundo, mas se diferencia dos demais países em desenvolvimento. A China, a Índia, o Brasil, a África do Sul, a Indonésia, a Coreia do Sul, o México e outros formam o grupo que se caracteriza por participações importantes tanto no comércio internacional, quanto no PIB mundial.
Fora isso, são países com baixos índices educacionais, saúde precária, concentração de renda e alto índice de corrupção. São emergentes econômicos, mas não sociais.
Pior: são emergentes tardios e chegam atrasados ao Primeiro Mundo.
A emergência desses países coincide com uma crise no propósito do mundo no qual eles emergem. Os países que lhes servem de modelo e definem o ideal buscam novos padrões para medir o desenvolvimento.
Emergimos em direção a um objetivo que não mais satisfaz. É como uma família plebeia que emergisse à nobreza na Rússia Czarista na véspera da revolução socialista.
O mundo desenvolvido tem por base quatro grandes princípios: a Democracia Política, o Crescimento Econômico, o Bem-Estar Social e a Inovação Técnica. Mas, no momento em que os novos países emergem, descobre-se que esta sinergia entrou em crise por causa de quatro novos fatores: os limites ecológicos ao crescimento, a megaconcentração de renda, uma revolução científica e o descolamento do setor financeiro em relação tanto à realidade econômica quanto às fronteiras nacionais.
Daqui em diante, os países do Primeiro Mundo, países ricos, estão sendo obrigados a fazer escolhas entre continuar o crescimento econômico em direção a uma grave crise ecológica; restringir os benefícios sociais em direção ao equilíbrio fiscal; equilibrar suas economias nacionais em um mundo integrado; ajustar seus empregos aos tempos da nova ciência e tecnologia; dominar a megaconcentração de renda sem ferir a democracia; cumprir compromissos presidenciais com uma população que vive mais anos.
O conceito de desenvolvimento e progresso que atraiu os emergentes busca alternativa.
Em todo o mundo, a medição de progresso e, portanto, padrão para definir quem emergiu ou continua para trás já não poderá ser baseada apenas no crescimento econômico. Os novos emergentes, preocupados em emergir ao mundo do PIB elevado, subestimam a preocupação com o meio ambiente e com o bem-estar de seus povos, e não fazem os investimentos necessários para o salto em direção à inovação.
Os desenvolvidos entram em uma economia baseada no conhecimento, na ciência e na tecnologia. Os emergentes copiam e quem copia já está atrasado.
O Brasil emerge a um tipo de desenvolvimento em extinção. A civilização industrial consolidada no século XX entrou em crise e se prepara para um novo padrão de progresso. Mas continuamos tão deslumbrados com a emergência ao velho que vivemos em euforia do novo obsoleto.
Isto aconteceu em outras mudanças de rumo no desenvolvimento brasileiro. O Brasil foi rico na produção de ouro e de açúcar, no momento em que a Inglaterra se industrializava.
Brasil e Portugal chegaram à riqueza do velho mundo colonial, mas ficaram para trás porque a Revolução Industrial se consolidou como a nova forma de fazer e definir riqueza. Estamos repetindo a mesma situação outra vez.
Emergimos graças à exportação de commodities que nos deixa com uma moeda forte, com um PIB elevado, mas, salvo exceções, continuamos importadores de bens de alta tecnologia.
Emergimos como país do “feito no Brasil”, no momento em que a riqueza se mede e se define pelo “criado no Brasil”; emergimos para a produção e a renda per capita, quando o mundo evolui para mais tempo livre, maior produção cultural, melhor distribuição e mais qualidade nos serviços públicos, respeitando o meio ambiente; mais atenção à saúde pública, aos idosos e às crianças; revolução no atendimento universal e no conceito de educação por toda a vida; preocupação com o bem-estar e até com a felicidade, ao invés do carcomido PIB ao qual emergimos tardiamente.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

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