31 de julho de 2012

CLÓVIS ROSSI Venezuela e o problema Mercosul


Folha de S.Paulo, 31/7/2012
Caracas agrega quatro Paraguais/Uruguais ao bloco, que precisa decidir o que quer ser
A Venezuela torna-se hoje membro pleno do Mercosul. Bom negócio? Sim, com ressalvas.
Antes das ressalvas, perdão por escrever uma obviedade, mas ela se torna necessária pelas paixões, contra e a favor, que produz o presidente Hugo Chávez: quem se incorpora ao Mercosul é a Venezuela, não Chávez, a menos que se considere que o líder bolivariano é imortal, o que ainda não está provado.
A Venezuela aporta ao bloco US$ 316 bilhões de PIB, o que corresponde a 4,3 vezes a soma das economias de Paraguai e Uruguai, os sócios menores. É um ativo, portanto.
Além disso, o Itamaraty comemora, em nota oficial, o fato de que "a incorporação da Venezuela altera o posicionamento estratégico do bloco, que passa a estender-se do Caribe ao extremo sul do continente. O Mercosul se afirma, também, como potência energética global tanto em recursos renováveis quanto em não renováveis".
Muito bem. Passemos agora às ressalvas. A primeira é institucional.
A Human Rights Watch, respeitada ONG da área de direitos humanos, soltou há pouco relatório crítico em relação ao governo Chávez. Nele, mostra que o presidente vem comendo a democracia pelas bordas, mas ainda não deglutiu o núcleo central.
No Mercosul, a Venezuela está obrigada a respeitar a chamada cláusula democrática, o que significa que Chávez, mesmo se reeleito no fim do ano, não poderá comer o que resta.
Cabe ao Brasil, a principal potência do grupo, exercer efetiva vigilância para evitar novas ações anti-democráticas e, se possível, pressionar Chávez para regurgitar algumas das partes que comeu.
Ou, como escreveu ontem para o "Valor Econômico" o repórter-colunista Sergio Leo, dos melhores analistas de política externa: "O Mercosul como elemento de democratização da Venezuela pode se mostrar um feito memorável. Desde que não se revele mera fantasia".
Segunda ressalva, de natureza comercial: a Venezuela de Chávez não pode se tornar obstáculo para negociações comerciais do Mercosul com outros países/regiões. Uma coisa, legítima, é defesa comercial. Outra, prejudicial, é protecionismo ideológico, em nome do tal "socialismo do século 21".
O Mercosul está estancado há tanto tempo que tudo o que ele não precisa é ficar mais embaçado por posições comerciais besuntadas de uma ideologia que não foi exatamente um grande sucesso de público e de crítica no fim do século 20.
A bem da verdade, a entrada da Venezuela é o menor dos problemas do bloco.
O maior, de longe, é decidir o que quer ser quando crescer: se uma mera zona de livre-comércio, na qual os membros zeram as tarifas de importação entre eles; se uma união aduaneira, em que, além do anterior, estabelecem uma tarifa comum para importações de países não membros; ou um verdadeiro mercado comum, com livre circulação de mercadorias e pessoas.
Por enquanto, o bloco está na fase de união aduaneira, mas com tantos furos que mais parece desunião. Não será o ingresso da Venezuela que permitirá tapar ou aumentar os buracos.

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