6 de junho de 2012

Quase metade dos brasileiros aprova provas obtidas por tortura





Pesquisa da USP foi elaborada com 4025 entrevistas domiciliares em onze capitais

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SÃO PAULO - Quase metade dos brasileiros (47,5%) concorda que os tribunais aceitem provas obtidas mediante tortura policial, segundo pesquisa realizada em 2010 e divulgada nesta terça-feira pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP). Os dados indicam que aumentou a aceitação à prática em relação a 1999, quando 28,8% diziam ser favoráveis a obtenção de provas por meio de violência. A Pesquisa sobre Atitudes, Normas Culturais e Valores em Relação à Violação de Direitos Humanos e Violência foi elaborada com 4025 entrevistas domiciliares em onze capitais brasileiras, incluindo Rio e São Paulo.
O estudo indica que para a maioria dos entrevistados, a polícia deve interrogar sem violência. No entanto, para alguns crimes a população defende o uso de métodos como “bater”, “dar choques ou queimar com ponta de cigarro” e “deixar alguém sem água ou comida”. O uso de algum desses métodos contra suspeitos de estupro é aceito por 43,2% dos entrevistados. O porcentual de apoio aumenta entre os entrevistados mais jovens.
— São números que particularmente me deixam muito inquieta. Nossa democracia tem quase 30 anos e essas práticas não deveriam ter defesa — diz a psicóloga Nancy Cardia, coordenadora da pesquisa.
De modo geral, houve também uma melhora na avaliação do trabalho da polícia. Entre 1999 e 2010, a aprovação da Polícia Federal saltou de 42% para 60%. A Polícia Militar, a que tem pior avaliação entre as polícias, saltou de 21,2% para 38% na aceitação da população.
O estudo ainda indica que 42% dos brasileiros acreditam que há momentos, 'em defesa da segurança nacional', em que é justificável o governo censurar a imprensa. O mesmo percentual acha que o país pode expulsar pessoas que tenham posições políticas que possam prejudicar o governo.
— É uma submissão a um autoritarismo que dá um tiro no próprio pé. São bandeiras que não são toleráveis em uma democracia.
O trabalho do Núcleo de Estudos da Violência da USP também faz um recorte da violência na infância. Sete em cada dez brasileiros já sofreram algum tipo de agressão quando crianças. A violência foi regular (houve agressão quase todos os dias ou pelo menos uma vez por semana) para 20% dos entrevistados. Embora tenha ocorrido uma diminuição no percentual de brasileiros que relataram agressões – em 1999 eram 79,6% -, a pesquisa indica a formação de um círculo vicioso no uso de violência sobre os filhos.
— Quem sofreu agressões diz que repetiria esse padrão com os filhos mesmo para coisas pequenas, como faltar aulas ou grafitar. Além disso, mesmo entre os que nunca apanharam, tem mais gente dizendo que iria bater nos filhos. Essa agressão dentro de casa se reflete em um padrão social de aceitação da violência — diz Nancy Cardia.
Para ela, os dados são 'preocupantes' porque mostram que não houve uma conscientização da sociedade sobre os danos causados pela violência contra as crianças.
— Isso evidencia a necessidade de discutir a Lei da Palmada, que tem sido tratada até com certa ironia, com as justificativas de que 'é só uma beliscãozinho', 'é só uma palmadinha'. Mas isso é banalizar a agressão porque nunca fica só no beliscão e na palmadinha.

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