29 de março de 2012

As perdas de março: Aziz, Millôr e Chico, artigo de Isaac Roitman




 
Isaac Roitman é coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, membro Titular da Academia Brasileira de Ciências e Subsecretário de Políticas para Criança da Secretaria de Estado da Criança do Distrito Federal. Artigo publicado no Portal da UnB.

Três exemplos de seres humanos notáveis, com brilho interior, marcaram um encontro em março. No dia 16 perdemos o grande geógrafo Aziz Ab'Saber. No dia 23, morreu o humorista, ator e escritor Chico Anysio. No dia 18 o Brasil perde o desenhista, humorista, dramaturgo, escritor e tradutor Millôr Fernandes. Um paulista, Aziz, um carioca, Millôr, e um cearense, Chico, nos deixam em março, mas deixam um legado que deve servir de exemplo para as próximas gerações.

Aziz foi um cientista polivalente com contribuições significativas no campo da geografia, arqueologia, geologia, ecologia, biologia evolutiva e fitogeografia. Na véspera de sua morte entregou à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da qual era Presidente de Honra, sua obra completa em DVD, com a seguinte dedicatória: "Tenho o grande prazer de enviar para os amigos e colegas da Universidade o presente DVD que contém um conjunto de trabalhos geográficos e de planejamento elaborados entre 1946-2010. Tratando-se de estudos predominantemente geográficos, eu gostaria que tal DVD seja levado ao conhecimento dos especialistas em geografia física e humana da universidade". Aziz foi um incansável lutador pelo desenvolvimento científico brasileiro defendendo sempre que a ciência deve ser colocada a serviço dos movimentos sociais.

Chico se vangloriava de ser nordestino, daqueles que não fogem à luta. Iniciou sua carreira no rádio e migrou depois para a televisão. Tornou-se um dos mais famosos, criativos e respeitados humoristas da história do País. A ironia afiada era marca característica de seu humor, sempre crítico aos costumes sociais e à política, que ganhava vida em dezenas de personagens que criou, entre eles os inesquecíveis Professor Raimundo, Justo Veríssimo e Pantaleão. Na construção de frases como "O brasileiro só tem três problemas: café, almoço e jantar" ou "No Brasil de hoje, os cidadãos têm medo do futuro. Os políticos têm medo do passado", demonstrava que era um profundo conhecedor da alma do brasileiro. Ele também foi conhecido pela generosidade com que sempre ajudava artistas em apuros financeiros.

Millôr foi um desenhista, humorista, dramaturgo, escritor, jornalista e tradutor. Foi também um educador, pois suas criações educavam para a autonomia, para a contestação, para o senso crítico e para a participação política. Ele utilizava o humor como arma da expressão e misturando o desenho e a palavra, fazia filosofia. Fazia humor para fazer pensar. As frases inspiradas brotavam de sua prodigiosa e inquieta mente como: "Em ciência leia sempre os livros mais novos, na literatura, os mais velhos"; e "O melhor movimento feminino ainda é o dos quadris". "Repito um velho conselho, cada vez mais válido, sobretudo pro Congresso: quando alguém gritar pega ladrão, finge que não é com você". Na década de 1960 foi co-fundador do lendário jornal O Pasquim de oposição ao regime militar brasileiro. Millôr foi uma figura eclética com habilidades que passavam pela construção de seu humor crítico até como um dos principais tradutores do dramaturgo William Shakespeare.

As três perdas de março vão fazer falta ao Brasil. No entanto, os seus legados continuarão encantando a nós, seus contemporâneos, e aos nossos descendentes. Adeus Aziz, Chico e Millôr.

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