29 de dezembro de 2011

Ensino público tem déficit de 300 mil professores


 O Globo | Capa | BR

Escolas municipais e estaduais do país correm o risco de ficar sem aulas
O ano que vem começará sob uma velha ameaça nas escolas públicas do país: alunos sem aula por falta de professores. Estimativa da Câmara de Educação do Conselho Nacional de Educação aponta um déficit de 300 mil docentes, especialmente das disciplinas de Química, Física e Matemática. A carência equivale a 15% do total aproximado de 2 milhões de professores nas redes estaduais e municipais. Uma das principais causas do déficit é a baixa remuneração, que afugenta os profissionais do mercado: o piso nacional do magistério é de R$1.187 por 40 horas. No Distrito Federal, o salário chega a R$3.472, mas outros profissionais com formação similar ganham 28% a mais. No Rio, o Sindicato Estadual dos Profissionais de Ensino avalia que pelo menos um professor pede exoneração por dia. Para tentar driblar o caos, estados e prefeituras recorrem à contratação de temporários e apelam para o acúmulo de disciplinas por professor.

Número corresponde a 15% dos educadores em sala de aula; baixo salário é entrave
Marcelo Remígio marcelo.remigio@oglobo.com.br
O ano de 2012 começará com velhos problemas na rede pública de ensino. Estimativa da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação aponta déficit de cerca de 300 mil professores no país - nas redes estaduais e municipais -, número que corresponde a 15% do total de educadores em salas de aula (2 milhões). Salários baixos, falta de educadores no mercado, ausência de planos de carreira e mau gerenciamento do quadro de servidores - muitos estão desviados de função - são apontados como causas da carência. Para amenizar a crise, estados e municípios recorreram a concursos e contratos temporários, e professores passaram a lecionar em áreas diferentes da sua formação.
Hoje o piso nacional do magistério para 40 horas é de R$1.187. Para o Sindicato Estadual dos Profissionais de Ensino do Rio (Sepe), o valor não motiva a permanência na escola. De acordo com o Sepe, em 2012 a falta de professores continuará a ser crônica na rede estadual, que perderá um educador a cada dia útil por exoneração, mantendo a média deste ano. O déficit nas escolas - a maioria de ensino médio -, chegaria a 10 mil profissionais. Na capital, os números são igualmente preocupantes: 5 mil estimados.
Presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho diz que a saída é a aprovação, em 2012, do Plano Nacional de Educação (PNE).
- O PNE prevê plano de carreira. O professor quer buscar a chance de crescimento profissional. Se não for feito nada chegaremos a um ponto que haverá orçamento e alunos, mas não educadores - diz Cleuza, que aponta as áreas de Química, Física e Matemática como críticas.
Carência atinge todo o país
Maristela Kaminski, de 16 anos, que cursou o segundo ano do ensino médio no Colégio Aderbal Ramos da Silva, em Florianópolis, vive uma realidade comum em Santa Catarina. Ela faz parte dos alunos sem aula por falta de professores na rede estadual. A jovem conta que, neste ano, teve aula somente no segundo semestre nas disciplinas de Geografia, Química, História e Sociologia. Levantamento do Sindicato da Educação do estado feito em 400 das 1.234 escolas estaduais apontou que há falta de professor em 90% delas. Cerca de 50% dos professores (34 mil) são temporários.
O secretário da Educação, Marcos Tebaldi, afirmou que existem casos pontuais. Mas a assessoria técnica da diretoria de Gestão de Pessoas informou que faltam cerca de dois mil professores e a carência é maior em Matemática, Literatura, Química, e Física, no ensino médio, e Artes, Português, Matemática, e Ciências, no fundamental. Santa Catarina foi um dos estados contrários ao piso nacional do magistério e pagava salário de R$609.
Em Mato Grosso do Sul, dos cerca de 17 mil professores efetivos e convocados da rede estadual, a metade não é concursada e está em sala de aula substituindo profissionais de licença médica, que estão ocupando outras funções ou cedidos para outros poderes. Já no Rio Grande do Sul, dos atuais 77 mil professores que estão em sala de aula, 26 mil não são concursados. Eles foram contratados por razões emergenciais, substituindo docentes fixos afastados.
A Secretaria de Educação do estado do Rio informou que investiu na melhoria salarial. O estado afirma que, neste ano, a carência de professores diminui de 11.773 para 1.550. Está em andamento um concurso para o preenchimento inicial de 3.321 vagas. Já a Secretaria municipal de Educação afirmou que havia déficit de 7.500 professores em 2009. Foram contratados 11.531, faltando hoje 91 educadores.
COLABORARAM: Juraci Perboni (SC), Naira Hofmeister (RS) e Paulo Yafusso (MS)

Improviso nas salas de aula

No Piauí, professores de Química lecionam Física e Matemática
Letícia Lins, Efrém Ribeiro e Carol Aquino* opais@oglobo.com.br
RECIFE, TERESINA e SALVADOR. Assim como nos estados do Sudeste, Sul e Centro-Oeste, no Nordeste a carência de professores preocupa alunos e professores. No Piauí, educadores lecionam em várias áreas e alunos recebem notas, mesmo sem ter aulas. Com nove anos de magistério, o professor de Química Luiz Brito foi obrigado a dar aulas de Física porque o diretor de uma das escolas que leciona na rede pública de Teresina pediu que ministrasse aulas para os alunos do 3º ano do ensino médio. O motivo: falta de docentes da disciplina na rede estadual.
- Eu aceitei, fiz um acordo amigável para não deixar os estudantes que iam fazer o vestibular sem a disciplina. Eu percebi que o professor que não é da área fica debilitado, tem que estudar para aprender a disciplina. Quando se dá aula em nossa área, Química, a gente apenas aperfeiçoa, faz um leitura; quando é Física é preciso estudar mais, tive dificuldades.
Já a professora de Química do ensino médio Sandra Lima aceitou dar aulas de Matemática para alunos do 5º ao 8º ano do ensino fundamental da Unidade Escolar Odilo de Brito Ramos, em Teresina.
- Como é Ensino Fundamental, a Matemática é básica, nisso eu não tive problemas, mas as dificuldades que enfrentei foram em relação à metodologia, de como ensinar. Já que não se está habituada a dar aulas de Matemática, não se tem estratégia para fazer com que o aluno compreenda.
Parte dos 400 estudantes da Unidade Escolar Governador Alberto Tavares Silva, no Conjunto Morada Nova, na Zona Sul de Teresina, teve notas em Matemática atribuídas por avaliação pessoal e comportamento. Algumas turmas ficaram sem aulas até junho. Como não foi possível encontrar professor de Matemática, educadores da área de Biologia assumiram os tempos com exercícios. A Secretaria de Educação e Cultura do estado do Piauí informou que as aulas foram repostas aos sábados. O secretário estadual de Educação, Átila Lira, afirmou que existe nas escolas municipais do Piauí um déficit de 70% de professores de Física. De acordo com ele, há professores de Física "em número elevado" apenas em 30% das 224 cidades do Piauí.
Com 890 mil alunos matriculados, a rede estadual de ensino de Pernambuco tem um déficit de 5.186 professores, de acordo com a promotora de Justiça na área de educação Eleonora Marise Silva Rodrigues, problema que se arrasta desde o governo passado. A Secretaria estadual de Educação contesta a informação, assegurando que o número disponível de educadores é suficiente para atender as 25.578 turmas de ensino regular. Segundo a promotora, este ano só foram contratados 152 professores, assim mesmo por pressão do Ministério Público Estadual e posterior à decisão judicial. Eles já haviam se submetido a concurso público e estavam esperando a efetivação. Mas, de acordo com o próprio estado, o número de contratados é menor: 119 aprovados em concurso promovido em 2008.
- Se não forem tomadas providências, o problema tende a se agravar, porque a previsão é que, entre 2011 e 2015, 9.454 professores devem estar entrando em regime de aposentadoria - advertiu a promotora, afirmando que o estado dispõe de 1.174 docentes que estão cedidos à própria Secretaria estadual de Educação, em serviços burocráticos e, portanto, fora da sala de aula. Outros 1.199 encontram-se lotados em outros órgãos do governo.
Já na Bahia, o déficit de professores na rede estadual para 2012 é de 1.884 profissionais. A superintendente de Recursos Humanos da Secretaria estadual de Educação, Cláudia Cruz, diz que ainda não se pode afirmar precisamente qual o efetivo necessário para o ano que vem, pois a pasta ainda está em fase de planejamento e cálculo de demanda. No último concurso público, realizado em janeiro de 2011, foram ofertadas 3.200 vagas e convocados 2.467 educadores. São 6.887 professores que precisam ser substituídos; 4.387 são temporários; e 2.500 devem se aposentar em 2012. O governo promete novas convocações para o próximo ano, já que foram classificados 5.003 candidatos. Mesmo assim, no interior do estado serão necessários contratos temporários.
*Da Agência A Tarde


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