25 de outubro de 2011

A importância da educação infantil : Blog de Simón Schwartzman


Posted: 24 Oct 2011 

Na quarta feira dia 26 de outubro serão publicados, finalmente, os resultados dos trabalhos do grupo de estudos sobre educação infantil instituido pela Academia Brasileira de Ciências em 2008 com a participação de especialistas em neurobiologia, economia e psicologia do desenvolvimento cognitivo. A publicação coincide com um seminário internacional sobre a experiência internacional e brasileira em aprendizagem infantil, realizado conjuntamente pela Academia e a Fundação Getúlio Vargas, cujos detalhes estão disponíveis aqui.
A evidência analisada pelo grupo de trabalho, resumida no texto abaixo, não deixa dúvida quanto à importância do desenvolvimento cognitivo dos primeiros anos no desempenho das pessoas ao longo da vida, dos benefícios econômicos dos investimentos nestes primeiros anos, e da importância dos métodos de alfabetização baseados no desenvolvimento da consciência fonológica por parte das crianças.
Dois desdobramentos importantes  não analisados pelo grupo decorrem destas conclusões, e requerem aprofundamento.
Primeiro, a educação infantil e pré-escolar se expandiu muito no Brasil na última década, mas sem mecanismos de acompanhamento e garantias de qualidade, e absorvendo recursos que talvez fossem melhor utilizados em outros níveis mais estruturados. Além de consumir recursos, existem evidencias de que educação infantil e pré-escolar de má qualidade pode ter efeitos danosos sobre as crianças. Qualquer política de expansão deste nível educacional deve estar centrada e apoiar ao máximo o relacionamento das mães com seus filhos, e zelar pela qualidade das creches e escolas.
Segundo, o que fazer com o grande estoque de jovens que não tiveram os estímulos e as oportunidades de uma boa educação nos primeiros anos, e que hoje mal conseguem terminar o ensino médio? As evidencias dos trabalhos de Heckman e outros mostram que os custos de recuperação escolar desta população no currículo convencional pode ser demasiado alto, e os resultados, duvidosos. Este é um forte argumento para a necessidade de pensar em caminhos alternativos e diversificados de estudo sobretudo a partir do ensino médio, proporcionando as competencias cognitivas e não cognitivas que possam ser adequadas para os diversos segmentos da população.
Sumário das conclusões e recomendações do Grupo de Trabalho sobre Educação Infantil
O PROBLEMA
• O desempenho educacional das crianças brasileiras é muito inadequado. Resultados da Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização, a Prova ABC, avaliação do movimento Todos pela Educação divulgada em agosto de 2011, mostram que 57,2% dos estudantes do terceiro ano do ensino fundamental, o que corresponde a antiga segunda série, não conseguem resolver problemas básicos de matemática, como soma ou subtração. Resultados semelhantes são encontrados na avaliação dos estudantes brasileiros no Programa International de Avaliação de Estudantes da OECD, PISA.
• Dificuldades de linguagem são associadas às de processamento matemático e de lógica. Falhas na alfabetização dificultam a incorporação de conhecimentos importantes para o desenvolvimento profissional.
• Embora o número de alunos no ensino médio venha aumentando de forma significativa nos últimos 20 anos, menos de 60% dos jovens de uma coorte conseguem concluí-lo, porém este número tem se estabilizado. Uma fração ainda menor ingressa no ensino superior.
CAUSAS
• Parte do problema se deve tanto à falta de recursos e má utilização destes, quanto à ausência de uma política nacional eficaz de atração, seleção e retenção de melhores professores. Outra parte ao descompasso entre as políticas específicas de atenção às crianças (antes da escola e na alfabetização) e as recomendações que decorrem de evidência científica internacional.
• De acordo com a neurobiologia, sabe-se que o desenvolvimento mais acentuado da estrutura cerebral (volume e maturação cerebral e, notadamente, sinaptogenese) ocorre nos primeiros anos de vida. Consequentemente, este é um período sensível para o desenvolvimento das habilidades envolvidas no processo de aprendizagem da linguagem. Eventual atraso na estimulação dessa habilidade poderia implicar perda do melhor momento para o desenvolvimento do reconhecimento da relação grafema-fonema, tão importante para a leitura, no futuro, de palavras desconhecidas. Este fato tem sido ignorado na formulação de políticas públicas de educação.
• Essa evidência se complementa pelos estudos em economia que mostram a grande rentabilidade de investimentos que ocorrem na mais tenra idade e produzem habilidades, que são utilizadas para acumulação de outras habilidades (“habilidade produz habilidade”). Por exemplo, é muito difícil formar um engenheiro que não tenha desenvolvido habilidades básicas de álgebra. Estudos recentes mostram que investimentos que ocorrem entre os três e quatro anos de idade têm uma taxa de retorno de 17% ao ano, enquanto alguns programas de recuperação tardia apresentam retornos que são nulos e muitas vezes negativos (custo maior do que o benefício).
RECOMENDAÇÕES
Atenção à infância: é importante investir na educação durante os primeiros anos
  • Estabelecer políticas integradas e flexíveis de atendimento às famílias com crianças pequenas, conforme suas diferentes circunstâncias e necessidades, visando assegurar o direito a condições básicas de se desenvolver. Estas políticas devem minimizar o efeito dos fatores de risco, entre os quais a condição social e econômica de seus pais. Famílias em condições críticas, especialmente em relação à violência, pobreza extrema, ambientes tóxicos, e monoparentais, requerem atendimento diferenciado.
  • Desenvolver políticas públicas que apoiem as mães na educação e no desenvolvimento dos seus filhos.
  • DIncorporar no atendimento pré e pós-natal dos serviços de saúde pública e da assistência familiar já existentes as dimensões de desenvolvimento cognitivo e linguístico das crianças. Inovações tecnológicas no tratamento de epidemias e a acentuada queda da taxa de fecundidade abrem espaço para que a estrutura física e os recursos humanos da área de saúde sejam mobilizados para estimular o desenvolvimento cognitivo que é precário em boa parte das famílias brasileiras, principalmente aquelas provenientes de famílias de baixa condição socioeconômica. Tanto a evidência da neurobiologia quanto a da economia apontam altos retornos para essa realocação de recursos na fase inicial da vida. Para tanto, será importante incentivar e capacitar os profissionais da área, especialmente os profissionais da saúde.
  • Dar prioridade para o diagnóstico precoce de condições que afetam o desenvolvimento posterior da criança, tanto na linguagem quanto na sociabilidade. Propiciar tratamentos adequados para as crianças com necessidades especiais, tais como déficits auditivos, visuais, e crianças que possam ser incluídas no espectro autista.
  • Estabelecer, para as creches e pré-escolas, mecanismos de regulação que assegurem a qualidade dos atendentes, proporção adequada entre adultos e crianças, equipamentos, livros e infraestrutura, de modo a promover o desenvolvimento integral da criança incluindo o seu desenvolvimento linguístico e lógico-matemático, e atitudes que favoreçam uma posterior escolarização bem- sucedida.
  • Desenvolver programas de capacitação e certificação de educadores da primeira infância de nível médio e superior que levem em conta os conhecimentos científicos sobre os fatores que promovem o desenvolvimento infantil.
  • Estimular programas para promover o hábito da leitura em casa.
Alfabetização: devem ser utilizados métodos baseados em evidência científica
  • Levar em consideração a evidência científica e as orientações oficiais dos países mais avançados com relação à importância de adoção de políticas, materiais e métodos adequados de alfabetização. Ainda não há estudo nacional semelhante.
  • Tomar como referência os estudos sobre a neurobiologia da aprendizagem para se repensar a prática educacional. O melhor conhecimento dos circuitos neurais para a expressão e entendimento verbal, aquisição da habilidade da leitura e manutenção dos mecanismos atencionais e estratégia de aprendizagem são importantes para estabelecer processos mais eficientes de alfabetização.
  • Reforçar a importância da estimulação da capacidade de decodificação fonológica, no início da alfabetização, independentemente da intervenção escolhida para o ensino da leitura.
  • Estabelecer orientações, currículos e programas de ensino de alfabetização que levem em consideração a evidência acima.
  • Estabelecer critérios, indicadores ou expectativas para indicar que o aluno foi alfabetizado até no máximo 7 anos de iddde.
  • Estabelecer políticas de adoção e aquisição de livros e materiais didáticos que estimulem a provisão de materiais ricos e variados adequados para ensinar, de forma consistente, as múltiplas competências associadas ao processo de alfabetização.
  • Incluir, nos programas de ensino das pré-escolas, competências que facilitem e preparem o aluno para o processo de alfabetização.
  • Estimular a leitura em voz alta, considerando que isso contribui para a ativação da área cerebral relacionada ao processamento auditivo, favorecendo o desenvolvimento da capacidade da associação fonema-grafema.
  • Estabelecer políticas e assegurar recursos para criar e manter atualizadas bibliotecas escolares e bibliotecas de sala de aula.
Pesquisa e formação profissional:
  • a formação de profissionais para a pré-escola e as séries iniciais deve ser alinhada às necessidades específicas da primeira infância e da alfabetização
  • Estimular o desenvolvimento de pesquisas através da formulação de experimentos e levantamento sistemático de dados que explorem o relacionamento da dimensão neurobiológica e psicológica com a educação. Determinar os custos e os benefícios de diferentes intervenções voltadas para o desenvolvimento infantil.
  • Criar centros de ensino e formação de profissionais para apoio às instituições que cuidam da primeira infância.
  • Rever as orientações sobre formação de professores alfabetizadores, assegurando que essa formação seja feita de forma teórica e prática e em consonância com princípios científicos atualizados consistentes com a ciência cognitiva da leitura.


Nenhum comentário:

Postar um comentário