26 de outubro de 2011

Do capital ao social - Frei Betto


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economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, calcula que, em 2010, por meio de programas sociais, o governo federal repassou a 31,8 milhões de brasileiros – a maioria pobres – R$ 114 bilhões. Ao incluir programas de transferência de renda de menor escala, o montante chega a R$ 116 bilhões. Esse valor é mais que o dobro de todo o investimento feito pelo governo no mesmo ano – R$ 44,6 bilhões, incluindo construção de estradas e obras de infraestrutura.


Os R$ 116 bilhões foram destinados à rede de proteção social, que abarca aposentadoria rural, seguro-desemprego, Bolsa-Família, abono salarial, Renda Mensal Vitalícia (RMV) e Benefício de Prestação Continuada (BPC). Esses programas abocanharam 3,1% do PIB. A RMV, criada em 1974, era um benefício previdenciário destinado a maiores de 70 anos ou inválidos, definitivamente incapacitados para o trabalho, que não exerciam atividades remuneradas, nem obtinham rendimento superior a 60% do valor do salário mínimo. Também não poderiam ser mantidos por pessoas de quem dependiam, nem dispunham de outro meio de prover o próprio sustento.


Em janeiro de 1996, a RMV foi extinta ao entrar em vigor a concessão do BPC. Hoje, a RMV é mantida apenas para quem já era beneficiário até 96. Já o BPC é pago a idosos e portadores de deficiências comprovadamente desprovidos de recursos mínimos.


Há quem opine que o governo federal gasta demais com programas sociais, prejudicando o investimento. Ora, como afirma Lula, quando o governo canaliza recursos para empresas e bancos, isso é considerado investimento; quando destina aos pobres, é gasto.


O Brasil, por muitas décadas, foi considerado campeão mundial de desigualdade social. Hoje, graças à rede de proteção social, o desenho da pirâmide (ricos na ponta estreita e pobres na ampla base) deu lugar ao losango (cintura proeminente graças à redução do número de ricos e miseráveis, e aumento da classe média). Segundo o Institto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2003 e 2009, 28 milhões de brasileiros deixaram a miséria. Resultado do aumento anual do salário mínimo e da redução do desemprego, somados ao Bolsa-Família, às aposentadorias e ao BPC.


A lógica capitalista considera investimento o que multiplica o lucro da iniciativa privada, e não o que qualifica o capital humano. Essa lógica gera, em nosso mercado de trabalho, a disparidade entre oferta de empregos e mão de obra qualificada. Devido à baixa qualidade de nossa educação, hoje o Brasil importa profissionais para funções especializadas. Se o nosso país resiste à crise financeira que, desde 2008, penaliza o hemisfério Norte, isso se deve ao fato de haver mais dinheiro em circulação. Aqueceu-se o mercado interno.


Há queixa de que os nossos aeroportos estão superlotados, com filas intermináveis. É verdade. Se o queixoso mudasse o foco, reconheceria que nossa população dispõe, hoje, de mais recursos para utilizar o transporte aéreo, o que até pouco tempo era privilégio da elite.


Há, contudo, 16,2 milhões de brasileiros ainda na miséria. O que representa enorme desafio para o governo Dilma. Minha esperança é que o programa Brasil sem miséria venha resgatar propostas do Fome Zero abandonadas com o advento do Bolsa-Família, como a reforma agrária.


Não basta promover distribuição de renda e facilitar o consumo dos mais pobres. É preciso erradicar as causas da pobreza, e isso significa mexer nas estruturas arcaicas que ainda perduram em nosso país, como a fundiária, a política, a tributária, e os sistemas de educação e saúde.

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