18 de abril de 2011

Sem direito à infância: o impacto do oxi e crack

18 de abril de 2011
  O Globo |


Crianças pequenas e até de colo usam oxi e crack oferecidos por pais e traficantes Carolina Benevides*, Efrém Ribeiro e Marcelo Remígio
RIO BRANCO, RIO E TERESINA
Aos dois anos, o bebê X., que vivia com os pais em Rio Branco, no Acre, era inquieto e chorava sem parar. Uma denúncia levou o Conselho Tutelar da capital acreana até a casa da família e a constatação foi: a mamadeira de X. não tinha só leite. Os pais misturavam cocaína na hora de alimentá-lo. Essa foi a história que mais chocou a conselheira Linagina Silva, responsável pela unidade em Rio Branco.
- Em toda Região Norte é comum que as crianças se droguem. Por aqui, elas usam cocaína, oxi e merla. As pequenas, de 5, 6, 8 anos, começam em casa. Recebo há um ano e meio cinco meninos que usam cocaína e oxi. Eles têm entre 6 e 11 anos, a polícia traz, eles quebram tudo, ficam agitadíssimos. Um outro de 10 anos é pequeno, raquítico, mas drogado tem uma força enorme - conta Linagina. - Em Rio Branco, geralmente, os adultos partem para o oxi depois de terem experimentado outras drogas. As crianças não. Elas já começam com a pedra e muitas nem vão atingir a maioridade.
Nas ruas de Rio Branco não é difícil encontrar crianças de 8, 10, 11 anos viciadas em oxi - um novo subproduto da cocaína, mais devastador que o crack, que surgiu no Acre, já se espalhou pelas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste e chegou a São Paulo, conforme O GLOBO mostrou ontem. As crianças perambulam pela cidade, reúnem-se perto da antiga rodoviária ou no Preventório, no Centro, para fumar a pedra. Quando não têm dinheiro, praticam pequenos delitos.
- O vício está diretamente ligado à violência. Para usar, as que têm casa começam a roubar da família. As que estão nas ruas quebram vidro de carro para furtar, roubam celulares e pequenos objetos. Elas compram oxi por R$5 e R$7 - diz Linagina. - É difícil conseguir internar crianças antes dos 12 anos e algumas passam a traficar para manter o vício.
Internado numa comunidade terapêutica em Rio Branco, M., de 16 anos, começou com cigarro aos 13, passou para maconha, cocaína e oxi. Não demorou para começar a fazer um "corre" (furtar) e a assaltar armado.
- Larguei a escola. Na primeira vez, eu usei um 38 para roubar dois celulares. Roubava para comprar droga e passava a madrugada usando. Eu nunca gostei de trocar as minhas coisas por oxi. Quando não tinha dinheiro, roubava da minha mãe, uma vez peguei todo o salário. Drogado, enfiei um punhal numa pessoa e peguei a enxada para matar a minha mãe.
No Piauí, crack vira bala de goma
Em Teresina, no Piauí, crianças consomem drogas com mel. No bairro São João, perto das escolas públicas, traficantes vendem uma mistura de crack com mel, semelhante a balas de goma.
- Inicialmente, o traficante não vende. Eles dão balas para que as crianças fiquem na mão deles. Elas não têm dinheiro, mas a estratégia é que fiquem viciadas para que tirem dos pais, roubem objetos, bens e dinheiro de suas casas. Pessoas ficam sem usar crack três dias, no máximo - conta Miranda Neto, fundador e coordenador do Grupo de Amigos da Vida (GAV), entidade que mantém uma comunidade terapêutica para tratamento de dependentes na zona rural do município de Piracuruca.
Também em São Luís, no Maranhão, crianças são alvo fácil de traficantes. Depois que ficam dependentes de crack e oxi, são recrutadas para trabalhar como "aviões". Parte do "salário" sustenta o consumo da droga e o restante, em geral, vai para a família.
- Minha mãe ganha dinheiro do governo, mas é pouco. Eu, como avião, tiro R$100 por viagem do lugar onde moro até o bairro dos bacanas. Tem dia que volto para casa com R$500. Ajudo minha mãe, e o resto gasto tudo em crack - conta S., de 16 anos, morador da periferia da capital.
* Enviada especial

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