23 de fevereiro de 2011

Educação e rebeldia: o mundo árabe

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Felipe Campante e Davin Chor

Muitos observadores da atual turbulência que varre o mundo árabe concordam em uma coisa: ela foi em grande parte inesperada.
Apesar de ondas de insatisfação em relação aos homens fortes no poder sempre terem existido, poucos previram que um levante desses fosse iminente ou previram a escala das manifestações. Mas vários fatores visíveis, ligados à educação, demografia e a falta de oportunidades econômicas, apontam há algum tempo para um maior grau de instabilidade política na região.
Apesar de grande parte da narrativa sobre o levante no Egito ter falado sobre uma "revolução jovem", isso parece minimizar o impacto crítico que o aumento do grau de educação entre os jovens egípcios teve na fomentação das duras críticas aos regimes entrincheirados.
Nós temos poucas dúvidas de que os participantes dos grandes protestos representavam um amplo espectro da sociedade egípcia. Mas não se pode deixar de notar que engenheiros, médicos, estudantes universitários e até mesmo executivos de empresas figuravam de modo proeminente no movimento de oposição.
Isso em grande parte confirma um dos fatos mais amplamente documentados na ciência política -o de que pessoas de alta escolaridade têm maior probabilidade de participarem de toda forma de atividade política, desde o ato básico de votar até participar de manifestações.
Os motivos precisos para isto nem sempre foram bem entendidos. Talvez as pessoas com maior educação sejam observadoras mais críticas dos desdobramentos políticos e sejam menos dispostas a aceitar os erros de um autocrata irresponsável.
Nossa própria pesquisa enfatizou quanto esta ligação entre educação e participação política costuma ser influenciada pela disponibilidade de oportunidades no mercado de trabalho para pessoas com formação superior. Colocando de modo simples, o conhecimento profissional adquirido por meio da educação leva a uma maior disposição de participar da política, assim como na eficácia desse envolvimento (pense em como aqueles que conhecimento tecnológico fizeram uso do Facebook e do Twitter em prol de sua causa).
Se as pessoas com alta escolaridade são bem recompensadas e remuneradas em suas metas profissionais, elas são naturalmente menos inclinadas a empregar seu tempo e energia em propósitos políticos. Os países em que as oportunidades econômicas para as pessoas capacitadas são abundantes são aqueles que exibem menos engajamento político por parte das pessoas com alta escolaridade.
O mundo árabe não tem sido um modelo de dinamismo econômico. As economias da região não são voltadas a atividades de trabalho que empregam de modo eficaz o capital humano adquirido por meio da educação.
Menos reconhecido é o fato de vários desses países árabes estarem entre aqueles que mais investiram em educação. Dados recentes compilados entre 104 países mostram que entre 1980 e 1999, o Egito foi o quinto país que mais cresceu no mundo em termos de média de anos de escolaridade, mais do que dobrando, de apenas 2,3 anos para 5,5 anos. A Tunísia está logo atrás, com um aumento de 2,5 para 5 anos em média de escolaridade para a população.
Portanto, há um cenário em que um grande número de jovens árabes se tornou muito mais educado do que seus pais e avós. Na ausência de perspectivas de emprego promissoras, há uma maior probabilidade de dedicarem os conhecimentos adquiridos em atividades políticas, desde a manutenção de blogs políticos até a organização dos protestos na Praça Tahrir. Como não encontram um escoadouro democrático, eles podem ao final desestabilizar regimes que, até recentemente, pareciam em controle pleno.
Investir na educação é uma coisa boa por si só. Ironicamente, entretanto, ao investir em educação sem fornecer oportunidades econômicas suficientes, os autocratas árabes contribuíram muito para a situação que agora os aflige.
Nós certamente esperamos que a transição democrática atualmente em curso possa gerar o crescimento e os empregos necessários para que esses países atinjam seu potencial econômico pleno.
*Filipe Campante é professor assistente de política pública da Harvard Kennedy School. Davin Chor é professor assistente da Universidade de Administração de Cingapura.
UOL

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