11 de setembro de 2010

Imigração e educação no Brasil

Como a imigração afetou a educação


O resultado do Enem de 2007 pode ter sido determinado cem anos atrás? Dois economistas estão numa caçada que envolve muita econometria e uma rigorosa análise de dados em busca de uma resposta. Ainda em andamento, o trabalho até aqui já mostrou resultados interessantes. O mais surpreendente foi a presença de imigrantes como fator fundamental para a oferta da educação nas localidades onde eles se instalaram no início do século 20.
Renato Colistete, da USP, e Irineu de Carvalho Filho, do Fundo Monetário Internacional (FMI), iniciaram a pesquisa a partir de uma constatação sobre os níveis de investimento em educação primária em municípios de São Paulo no começo do século passado. Perceberam que havia uma diferença grande na taxa de matrícula dos alunos em relação ao total de crianças em idade escolar. Enquanto em Campinas (SP) o índice era de pouco mais de 40%, em outras cidades não passava de 8%. Após meses de coletas de dados para a formação de um banco de dados, os dois começaram a testar modelos que explicassem a discrepância.

Os resultados mostraram dois principais efeitos. A presença de imigrantes teve impacto positivo na oferta de educação, e a concentração de terra, teve impacto negativo. Quanto maior era concentração de terras em uma determinada localidade, menor era o investimento em educação.

Com os dados em mãos, tivemos que tentar explicar o motivo disso. Por que as regiões com imigrantes tiveram maios investimento em educação? A gente sugere que esses imigrantes vinham de países com níveis educacionais bem maiores do que do Brasil. Eles chegavam aqui da Alemanha ou do norte da Itália, e encontravam uma estrutura de educação primária muito precária , conta Colistete.

Segundo ele, há evidências de uma demanda dos imigrantes por educação nas localidades em que se instalaram. Isso apareceu de várias maneiras. Ou pela instalação de escolas comunitárias ou pela reivindicação de aprimoramento das estruturas já existentes. Mas eles tinham uma noção clara da importância da escola. Os suíços que se instalaram em Indaiatuba (SP), por exemplo, começavam a construir suas casas e antes de terminarem já construíam a Igreja e a escola.

O passo seguinte dos economistas foi tentar verificar se essas vantagens e desvantagens dos municípios paulistas no início do século 20 perduraram ao longo do tempo. Eles analisaram o resultado do Enem 2007 em cada um dos municípios, e viram que os que tiveram o melhor desempenho na prova também eram os que tinham a maior oferta de educação cem anos antes. Mais do que isso: há também uma relação com a renda per capita. Os municípios que tiveram o melhor desempenho escolar no início do século 20 tiveram a maior renda per capita no estado no início do século 21.

Atraídos pelo boom da economia cafeeira, os imigrantes se estabeleceram principalmente em São Paulo, Espírito Santo e nos estados do Sul. A sugestão dos autores do estudo é de que regiões como o Nordeste, onde a economia entrava em declínio no fim do século 19 devido à desvalorização da cana-de-açúcar, não atraíram estrangeiros mais educados durante a leva de imigração do início do século passado. Com isso, perderam o benefício da instalação desses imigrantes.

Concentração de terra

O outro fator que determinou a oferta de educação, de acordo com os economistas, foi a concentração de terra. Quanto mais desigual a sociedade, a tendência é que houvesse menor investimento na educação primária , diz Colistete. A decisão para financiar uma ampliação da educação primária para o conjunto da população local esbarrava no problema financeiro. A educação é um bem público, mas é um dispêndio, um gasto. Quem vai assumir a conta? Em São Paulo, as câmaras municipais eram dominadas pela elite econômica proprietários de terras e comerciantes. O problema é que havia um conflito entre a necessidade de generalização da escola pública com os interesses econômicos. Quem tem recurso está controlando o sistema político. E quem poderia reivindicar uma ampliação da educação primária não tinha voz política.

Colistete ressalta que não era o caso de a elite ignorar a importância da educação. Tanto é que os filhos recebiam boa formação, muitas vezes indo estudar na Europa. A questão está relacionada à economia política: a elite não reivindicava a universalização da educação para não arcar com os custos e os que seriam beneficados por ela, não tinham influência política.

No estudo, os autores fazem uma comparação com as políticas vigentes na Alemanha e nos Estados Unidos no mesmo período.Nos dois países, havia uma descentralização muito grande da gestão de recursos e dos gastos em educação. O que acontece nos EUA, e que é muito impressionante, é que há um grande movimento da sociedade em favor da escola pública primária e universal. Os condados assumem a responsabilidade de dar a todos a educação universal e gratuita, e usam a sua capacidade de tributação para financiá-la. Foram criados tributos específicos para a educação. O caso alemão é parecido.

Ao contrário do Brasil, naqueles dois países a democratização do poder político permitiu que os interessados em uma educação pública de qualidade conseguissem efetivamente construir um sistema eficiente. Aqui, a participação eleitoral era baixíssima: de 5% da população. Quer dizer, você tem uma exclusão dos potencias interessados na universalização do ensino. Na Alemanha e nos EUA, por outro lado, as políticas municipais acabaram traduzindo a vontade de um espectro maior da população, por meio do ensino público universal bancado com recursos públicos.

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