7 de maio de 2010

Uma dívida que demora muito para ser quitada


Cristiano de Oliveira: "A escola deverá ter área de lazer, espaço para ensaio musical, pista de atletismo e laboratório"


Luciano Máximo
Apesar da evolução no aspecto quantidade, com importante aumento de matrículas e investimento nos últimos anos, os números e as cifras da educação brasileira são sempre considerados insuficientes. É consenso que o Brasil continua em dívida com estudantes, pais e professores.

Por um lado, o país registra taxa de quase 100% de crianças matriculadas no ensino fundamental, conseguiu duplicar para 5 milhões o total de universitários na última década, criou mecanismos para aumentar o orçamento do setor em todos os níveis de governo. Já o olhar lançado sobre a qualidade sugere que as melhorias precisam ser apressadas se o país deseja riscar esse débito social de sua agenda de desenvolvimento, como demonstram dados do governo federal e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE): 20,2 milhões de brasileiros são analfabetos; não passa de sete anos o tempo médio de estudo da população; mais de 40% dos 8 milhões de jovens matriculados no ensino médio são repetentes; alunos da educação básica se classificaram em 49º lugar num ranking de 56 países na última edição do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), principal avaliação escolar do mundo.

Avanços de qualidade são percebidos tão lentamente que, às vezes, chegam a ser desacreditados. A rotina de Luís Carlos de Oliveira, diretor da Escola Estadual Roque Savioli, em Cotia, na Grande São Paulo, é um constante exercício de fé. Seu pequeno escritório vive entulhado de uniformes e material didático por falta de espaço, o recém-inaugurado laboratório de informática serve de almoxarifado, inclusive com computadores novos ainda encaixotados, e as salas de aula têm mais de 40 alunos. "Enquanto o poder público não mudar a educação da coluna de gastos para a de investimentos vamos ficar nesse caos", diz.

Oliveira reclama da burocracia e falta de autonomia. "Somos uma escola pequena, com 470 alunos, temos um terreno grande, de 2 mil m2. Espaço não falta, não dá mais para continuar assim, estou pensando em construir umas salas ao arrepio da lei, com dinheiro que a gente arrecadar de festas, fazer o quê?", indigna-se. O que ainda dá esperança ao diretor é saber que os alunos percebem a situação e participam do dia a dia da escola. Eles não são maioria, mas existem.

Um exemplo é Cristiano Aro de Oliveira, de 14 anos, da 8ª série. No ano passado, ele decidiu formular proposta de um novo modelo para as escolas brasileiras e se elegeu delegado para expor suas ideias na 1ª Conferência Nacional da Educação (Conae), realizada há menos de dois meses, em Brasília, com participação de professores e movimentos sociais do país inteiro, do presidente da República e do ministro da Educação. O evento produziu uma série de resoluções que vai orientar as políticas governamentais do Plano de Metas da Educação 2011-2020.

Em plenárias lotadas, Cristiano debateu calorosamente e defendeu seu projeto, que prevê adotar o Sistema S como referência nas escolas públicas. "A escola deverá ter área de lazer, espaço para ensaio musical, pista de atletismo e laboratórios, ser bem estruturada. É assim nas escolas do Sesi e Senai", propõe o garoto.

Na Conae, ele se familiarizou com o ambiente político que cerca as decisões sobre educação e, com os pés no chão, busca argumentos em reivindicações antigas e na Constituição, que lhe foi presenteada em Brasília. "Os recursos em educação têm que chegar a 10% do PIB e tem uma lei que deixa o governo desapropriar terras para o uso social", argumenta.

Mas o problema maior, segundo Cristiano, não é a política de gente grande. Ele sofre na hora de debater entre os colegas de Cotia. "A ideia é tornar a escola um lugar mais interessante para o aprendizado, mas atualmente os alunos aceitam tudo em silêncio, não demonstram opinião se algo está indo mal", questiona.

Para Vincent Defourny, representante da Unesco no Brasil, a apatia dos estudantes está relacionada à baixa qualidade no ensino e à necessidade do jovem de começar a trabalhar cedo. As justificativas resultam em uma taxa de evasão escolar brutal e colocam o ensino médio como o maior problema educacional do país. O estudo "Saindo da Inércia? - Boletim da Educação no Brasil 2009", organizado pela Fundação Lemann, mostra que o índice médio de abandono da escola entre jovens de 17 e 18 anos alcança 43%. "Muitos dos conteúdos dados em sala de aula têm pouca relevância para o aluno. Ele tem dificuldade para fazer o link entre o que aprende na escola e o que vive fora dela. Ele se encontra em universos separados, passa a ver a escola como um lugar mais ou menos chato, onde está por obrigação", avalia.

Para driblar a evasão escolar, o Ministério da Educação está incentivando os governos estaduais a renovar os currículos, com base no conceito "articulação de saberes", quando as 12 matérias tradicionais do ensino médio seriam tratadas de forma multidisciplinar. Romeu Weliton Caputo, diretor de articulação e apoio aos sistemas da educação básica do ministério, diz que o programa Ensino Médio Inovador está avançando.

"Dezoito Estados solicitaram apoio do MEC, que entra com ajuda técnica, na discussão de metodologias, e financeira, para equipar melhor as escolas, por exemplo", afirma. O esforço inclui incentivos à formação de professores, com oferta de vagas em universidades públicas e crédito subsidiado para o acesso em instituições de ensino superior privadas - dos cerca de 2,5 milhões de docentes da educação básica, 1,1 milhão não têm diploma universitário, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Vincent Defourny recomenda reformulação das disciplinas básicas, como português, matemática, geografia e ciências, como primeiro passo para atrair o aluno e avançar em termos de qualidade. "A introdução de tecnologias é uma oportunidade. São ferramentas potentes com múltiplas opções de conhecimento que a escola precisa começar a dominar", resume.

Ilona Becskeházy, da Fundação Lemann, complementa: "Por mais pobre que seja o aluno, ele tem acesso a celular, televisão, lan house. Não adianta trancá-lo numa sala com um professor enchendo o quadro com um giz", critica.

O uso de materiais complementares, como apostilas padronizadas, jornais e revistas, DVD e jogos didáticos, ajudou a Escola Estadual Professor Vicente Rao, na periferia de São Paulo, a melhorar seus indicadores de avaliação do 3º ano do ensino médio em 60% no ano passado. A professora de português Maria Miquelina conta que foi preciso selar um pacto entre os educadores. "Passamos a falar com os pais sobre a importância de acompanhar os estudos dos filhos, estamos dando mais aulas fora da sala e incentivando as crianças a conversar para tomar decisão sobre os trabalhos."

Na etapa inicial do processo educacional está o outro grande problema do setor. O desafio é cobrir um déficit de cerca de 3 milhões de vagas para crianças de 0 a 3 anos. Como a matrícula nesse ciclo é opcional, o diretor do MEC Romeu Caputo admite que o Estado não se preparou para atender à procura crescente dos últimos anos. "Mesmo em países desenvolvidos não existe universalização da oferta de vagas em creches", justifica. Segundo ele, a falta de vagas pode ser resolvida em pelo menos cinco anos. "O governo federal financiou a construção de 1.721 unidades nos últimos três anos. Serão outras 1.500 creches nos próximos quatro anos com o PAC 2, e se considerarmos os programas estaduais e municipais de ampliação de vagas, o problema poderá ser equalizado em cinco anos.

Valor Economico

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