23 de maio de 2010

"Precisamos de mais ação e menos palavras"

Miguel Nicolelis:



Pesquisador disse que dependem de apoio político para explandir o projeto

Júnior SantosPesquisador disse que dependem de apoio político para explandir o projetoIdealizador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, junto com Sidarta Ribeiro e Cláudio Mello, o cientista Miguel Nicolelis, de 49 anos, é considerado um dos maiores pesquisadores do planeta, sendo inclusive cotado para ganhar o prêmio Nobel, devido aos seus estudos na área do tratamento do Mal de Parkinson e com as chamadas próteses inteligentes. Paulista de nascimento, ele sempre deixou claro que a escolha de Natal para sediar o IINN foi uma forma de descentralizar a produção científica no Brasil. Nicolelis atualmente coordena pesquisas em neurociências na Universidade de Duke, na Carolina do Norte, Estados Unidos, e trabalha em parceria com os pesquisadores do instituto em Natal.

Quando foi anunciado o interesse de montar o instituto em Natal, muitos duvidaram. O sucesso do empreendimento é uma prova de que a distância geográfica e a carência econômica do Estado não são barreiras intransponíveis?

Não há dúvida. Acho que sete anos depois, após ter percorrido o Brasil inteiro e o mundo falando sobre Natal, a demonstração é categórica. O grande exemplo dado é exatamente o que você citou: não existe limitação geográfica para se criar um centro de excelência no Brasil, porque o potencial humano existe em qualquer lugar. O que falta são apenas oportunidades. O instituto ofereceu essas oportunidades e agora temos muitas histórias de sucesso para contar.

Centros de pesquisa como o instituto podem fomentar a economia de um Estado como o Rio Grande do Norte?

Ah, sim. E já está fazendo isso. Com a expansão do instituto e a criação do Campus do Cérebro, em Macaíba, estamos trazendo investimentos do Governo Federal, dos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, criando empregos. E a expectativa é continuar pondo em prática o plano original. Estamos na fase 2 e queremos chegar à fase 3, quando vamos demonstrar que a economia do Rio Grande do Norte pode ser transformada através da ciência.

A ideia é reunir, no futuro, unidades que atendam os estudantes desde a gestação, berçário, educação infantil, básica, superior, até a pós-graduação. É importante projetos que trabalhem pensando no passado e no futuro desse estudante?

A ideia é exatamente essa. Estamos implementando um projeto que a gente chama de educação para toda vida. Começa com o pré-natal das mães grávidas dos nossos futuros alunos, depois atenderemos eles no berçário, maternal, na escola regular que vai permitir ensino de tempo integral a 1.200 crianças da região, e daí vamos continuar na educação científica, para essas crianças poderem entrar na universidade, a federal de preferência, ou em qualquer uma do País e do mundo, pois estarão preparadas para irem a qualquer lugar e também a contribuírem com sua comunidade.

Os empresários, no Brasil, têm se aproximado das universidades, dos centros de pesquisa, e percebido o potencial de talentos e de inovação dessas instituições?

O poder privado brasileiro ainda está engatinhando em relação, por exemplo, ao dos Estados Unidos, ou mesmo o da Europa. É preciso que entenda que, a longo prazo, investir em formação de recursos humanos, pesquisa e tecnologia, é investir na própria empresa. Estamos começando a conversar com as industrias do Rio Grande do Norte, que estão nos ajudando em algumas ideias, mas é fundamental empresários de visão, que pensem em contribuir para o País, porque o projeto de Natal é estratégico para eles também. Vamos formar futuros executivos e funcionários, para as empresas brasileiras.

E a academia tem se mostrado aberta às parceria com a iniciativa privada, ou ainda há certo preconceito? É possível trabalhar pesquisa científica aliada a interesses mercadológicos?

Essa é uma questão colocada no mundo inteiro. Todas as universidades do mundo estão entendendo que têm de se abrir, mas por outro lado também é válida a discussão de que os empresários têm de entender que a pesquisa básica é fundamental. A Apple não criou o iPod, o iPad, sem ter centenas de pessoas trabalhando sem a pressão de ter de produzir alguma coisa. Houve muita pesquisa básica para que esses produtos pudessem chegar ao mercado e serem sucesso. Precisa ter gente, em um país como o Brasil, que seja paga especificamente para pensar. E nós vamos ter. Posso dizer com categoria que alguns dos estudantes de nossas escolas, em Natal e Macaíba, vão ser cientistas do futuro. Estamos ampliando nossas escolas e queremos chegar até 2 mil crianças, mas meu sonho é ter um milhão de crianças, espalhadas pelo Brasil, dentro desse programa.

O centro de saúde em Macaíba faz parte do SUS e funciona. O instituto quer mostrar que serviços públicos, inclusive em educação, podem ter qualidade?

Claro, sem dúvida nenhuma. O único problema é que precisamos de gente com visão no poder público. O Ministério da Educação está nos ajudando exaustivamente porque o ministro da Educação tem visão, uma visão única na história do Brasil. Haddad pensa no futuro, mesmo para quando ele não for mais ministro. A mesma coisa o reitor da UFRN (Ivonildo Rego). Ele aposta em nosso projeto, já sabendo que alguns resultados vão surgir só depois que ele deixar de ser reitor. O que precisamos era ter o mesmo tipo de filosofia em mais pessoas, como nos políticos do estado e de toda região, que eles prestassem atenção no futuro, na criação de um futuro para as crianças que ainda nem nasceram. Ouvimos muitas coisas, conseguimos muitas coisas com o Governo do Estado, como a estrada que foi construída para o campus, mas ainda falta o apoio político definitivo do estado do Rio Grande do Norte e dos representantes do estado no Governo Federal. Se tivéssemos lançado o instituto em São Paulo, imagina o apoio que estaríamos recebendo. Toda delegação paulista no Governo Federal estaria lá nos ajudando a conseguir mais recursos, mais projetos, mas não temos o mesmo respaldo na classe política do Rio Grande do Norte.

E a grande necessidade atual são recursos para o Campus do Cérebro?

Isso. E temos ainda de terminar a nossa fase 3 que é criar a Cidade do Cérebro, um parque científico e tecnológico, que gere riquezas e sustentação econômica para todo o projeto. Para isso, dependemos do apoio da classe política, sem divisões partidária, pois esse projeto é para o estado e para o Nordeste. A bancada nordestina precisa se mobilizar, porque é algo que pode se espalhar pela região e modificar a realidade do Nordeste, que hoje considero minha casa, minha moradia no Brasil.

E como seria essa Cidade do Cérebro?

Seria localizada entre o Campus do Cérebro (Macaíba) e o aeroporto de São Gonçalo. Incluindo um parque tecnológico de alto nível, como os do Vale do Silício, na Califórnia. Incluiria toda uma área de cultura e de celebração da história do Brasil, sobre o cérebro, a inovação brasileira. Incluiria todos os aspectos que definem hoje, no mundo, uma cidade da ciência, que o brasil ainda não possui, mas tem todas as condições de possuir. Para isso necessitamos de apoio de verdade, pois estamos falando em investimentos gigantescos e transformadores. Ou seja, o Rio Grande do Norte tem uma chance histórica de se transformar em um centro produtor de alta tecnologia do Nordeste brasileiro, mas para isso precisamos de mais ação e menos palavras.

Internacionalmente, há interesse sobre o instituto?

Para você ter uma ideia, há duas semanas fui convidado a falar na Kennedy School of Government, de Harvard, (Escola Kennedy de Políticas Públicas de Harvard - EUA), uma das melhores escolas de políticas públicas do mundo, e o convite foi para falar sobre Natal. Os próprios americanos estão chocados com a rapidez e o sucesso dessa iniciativa. A maior universidade do mundo decidiu que era importante, fundamental, ouvir uma palestra sobre o projeto de Natal. Isso muito poucas pessoas no Brasil sabem. Um mês atrás estava no Egito falando sobre minha pesquisa, mas também sobre o projeto de Natal. Então já é um projeto conhecido no mundo inteiro.

Há parceiros estrangeiros interessados em apoiar?

Já temos diversos parceiros internacionais, como universidades e fundações.

E qual o próximo grande passo: ampliar as escolas, erguer o Campus do Cérebro, trazer o supercomputador para o Rio Grande do Norte?

O grade passo é viabilizar o Campus do Cérebro, não só para o Instituto de Neurociência, mas também para outras iniciativas. O supercomputador vai nos ajudar a alavancar algumas delas. Temos planos muito avançados. Estamos trazendo o supercomputador, mas a burocracia é enorme para a importação dessa máquina, mesmo porque é uma doação do governo suíço, algo realmente inédito na história do Brasil. O que queremos é criar novas iniciativas dentro do Campus do Cérebro que capitalizem a integração com a comunidade de Macaíba, ofereçam mais oportunidades para as crianças, demonstrem que a ciência pode transformar a realidade social daquela região e também começar a transformar o perfil econômico.

Em seu entender, a maior carência da educação brasileira hoje é estrutural e financeira, ou a falta de foco?

Acho que a educação brasileira teve um salto de relevância histórica, nos últimos anos. O atual ministro tem visão a longo prazo e a educação passou a se preocupar com a agenda da sociedade brasileira. Agora, a nossa questão não é nem financeira. A nossa questão é de formação de pessoal, professores, criar uma filosofia de ensino na qual as pessoas se sintam envolvidas por um amor incondicional nas escolas. As crianças pensem na escola como um parque de diversões, um lugar que ela quer ir todo dia, onde é protegida, pode desenvolver seu potencial, pode aprender e ensinar. Pode participar de uma comunidade e se transformar em um cidadão. É um outro conceito de escola. A escola como formadora dos cidadãos do país.

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